Um

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Eu não tive coragem de exigir respostas da linda princesa morena que se sentava ao meu lado durante aquela viagem. Não ali, não na frente de Jeanna, que ainda olhava para Emory com ódio letal, mesmo depois de sua declaração: "eu estou grávida." Eu não conseguia parara de olhar para a barriga da princesa, mesmo sabendo que a saliência não ficaria aparente naquele momento. E foi assim que passamos as últimas horas de nossa tediosa viagem, até o momento em que a carruagem parou do nada, e um príncipe lindo bateu a porta.

— Sentiu minha falta?

Saio tropeçando pelas pernas estendidas das garotas sem me importar com nada no momento em que me jogo nos braços de Lúcios. Ele me aperta contra si, e desejo que aquele momento dure para sempre. Mas somos interrompidos pelos sons das pessoas saindo da carruagem, os vestidos farfalhando ao redor. Quando me desvencilho do abraço e olho em volta, uma parte de mim se comprime, assim que percebo que nenhum de meus irmãos está com Lúcios. Finn e Edwin estão são e salvos, com sorrisos no rosto, também correm para me abraçar.

— O que faremos agora? O que diabos foi aquilo? Kai pode mesmo sentir o mundo todo?

Minhas perguntas saem atropeladas e emboladas, o desespero toma conta do meu corpo a cada vez em que me lembro das frases pútridas que haviam saído de sua boca. Não fui capaz de lutar, lutar pela rainha. Fui covarde e fugi, deixando meus irmãos e os príncipes para trás com o maldito herdeiro negro. Tento não fechar os olhos, tento piscar menos, porque todas as vezes em que o escuro me envolve, imagino as garras de Kai ao meu redor.

— Kai só pode nos sentir se estivermos no país dourado. Então... só nos resta deixá-lo.

— Vamos fugir?

Esbravejo contra as palavras de Lúcios, ainda ferindo meu interior.

— Somos herdeiros também, juntos podemos muito bem acabar com ele!

Pronuncio as palavras sem ter certeza do que "acabar" significa. Matá-lo? Prendê-lo em um lugar fortificado o suficiente pra que ele não fuja? Poderíamos tentar arrancar dele todo o poder? Fecho os olhos por um instante, tempo o suficiente pra que a imagem de meu irmão desaparecido me apareça, o corpo separado da cabeça, sangue jorrando de ambos. Kai... ele consumiu o sangue? O que aquilo queria dizer? Ele bebeu o sangue de nosso irmão?

— Não é inteligente— Finn chega mais perto ultrapassando Lúcios para pousar uma mão em meu ombro— atacar Kai sem absolutamente toda a ajuda possível. Temos um herdeiro a menos agora, e... Edwin e seus irmãos são os únicos que podem usar poderes sem ser herdeiros. Nossos reinos não possuem guerreiros com magia, e o maior poder militar está concentrado no meu país, que firmou aliança com seu irmão sem saber de toda a verdade.

Toco na mão de Finn acima do meu ombro e sinto pequenos choques penetrarem em meu corpo. Abaixo a cabeça automaticamente quando a esperança me escapa, sufoco o medo de ter que deixar meu país pra trás. Minha casa, minha terra ... Minha Kibtaysh.

— Você... o que houve com o herdeiro que falta? O que aconteceu com Jasper?

A mão de Finn não pesa ou se contorce, sequer demonstra qualquer alteração com o confronto. O príncipe aprofunda seus olhos de safira nos meus, e assim me lembro de quão lindo o garoto é. Certamente qualquer pessoa se sentiria muito muito sortuda por ter a atenção e competição dos três princípies ao meu redor.

— Nos separamos pra fugir. Ele... bom, não vimos ele. Mas pode ser que ainda esteja na floresta, ou pode ter avançado mais. Vai saber.

— Eis o plano. — Edwin começa com a voz animada, jogando o cabelo de cobre com a cabeça casualmente— Vou até meu reino, entro em contato com meus irmãos e coleto o máximo de ajuda que conseguir, saímos do país dourado e treinamos até que possamos esmagar qualquer pessoa que se coloque em nosso caminho, e então... voltamos. Simples não acha?

Finn coça o queixo enquanto analisa Edwin com cuidado, o sorriso dele ficando cada vez mais fraco conforme a resposta de Finn demorava.

— Acho plausível. Mas seria melhor sua presença conosco. Não poderia enviar uma carta ou algo assim?

Com o veredito de Finn, os ombros de Edwin caem de alívio, seus olhos se fecham e um suspiro lhe escapa. Todos nós também nos aliviamos, afinal temos um plano.

Subo em um dos cavalos que os garotos conseguiram pegar ao sair do castelo de Elliwe, me agarrando á cela com o vestido quase todo erguido até a metade das coxas, devido à posição das pernas separadas. Então galopamos. Eu e os príncipes nos separamos das princesas e galopamos até a margem do rio, na esperança de que algum Porto nos aceite em seus barcos. A carruagem é levada até Rithan com a carta de Edwin, enquanto nós aproveitamos para acelerar a corrida até a beira da praia. Após dois dias de viagem, acampamentos ao relento sem poder ascender sequer uma pequena fogueira, dependendo apenas do calor dos corpos ao meu redor para não rachar de frio, finalmente a linha azul da imensidão do mar aparece em nossa vista, me fazendo quase cair do cavalo.

— Esperem aqui.

Finn diz antes de jogar uma das pernas por cima da cela e descer com total estilo. Permanecemos atrás das árvores conforme ele anda elegantemente até um pequeno vilarejo escondido entre as árvores altas, vilarejo que possui barcos à disposição. Finn encontra um senhor de meia-idade na rua antes de se voltar para uma taverna e adentrar com graça.

— Ele de fato é um príncipe.

Encaro os irmãos príncipes, aqueles olhos de granizo me perguntando quem havia colocado alguma ideia ruim na cabeça de ambos. Um nome me vem à mente, mas o afasto.

— Vocês também. Todos vocês são, se duvidar até mais poderosos que Finn.

Me lembro das poucas vezes em que ambos os irmãos demonstraram poder, e uma sensação morna de esperança me invade. Sim, eles são fortes demais, e sim, podemos derrotar Kai juntos. E vamos.

— Você não entende Kali.

Edwin passa seus dedos longos por entre seus fios agora longos de cobre, soltando um suspiro ao encarar o irmão. Lúcios tira as mãos da cintura e cruza os braços antes de me encarar, os olhos cinza se estreitando levemente.

— Tem uma parte do nosso poder, que com certeza é perigosa demais até pra defender o reino.

Seus olhos mudam. Sua voz me causa calafrios, mesmo a alguns passos de distância consegue me congelar no lugar. Encaro aquela expressão petrificada, aquelas duas expressões dos irmãos torturados que haviam vivido em agonia.

— Quer saber o que aconteceu conosco Kali?

Concordo com a cabeça, sem saber ao certo o que estava fazendo.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora