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Não tivemos escolha, a não ser denunciar a verdadeira extensão do poder de Finn. Quando Lúcios e Austin assumiram a missão de carregar Damian, o resto de nós correu até o castelo como se não houvesse amanhã. Mas nada surgiu atrás de nós para nos perseguir. Mesmo assim, Jasper apenas conseguiu relaxar, quando Finn ergueu um muro do mais espesso gelo, denunciando seu extenso poder, ao cercar todo o castelo em sua proteção. O clima se esfriou, a noite caiu, e ainda assim nenhum sinal do inimigo se aproximando.

— Conte, o que houve?

Estávamos agora todos reunidos, ao redor da enorme cama onde Damian descansava, esperando Jasper começar a explicar o que havia presenciado, o que o fizera correr daquela forma.

— Atravessamos a floresta com meu poder, afastei as árvores através da terra para corrermos mais rápido.

Jasper analisa as botas por um instante, a cabeça cai em suas mãos em uma posição de derrota. Sinto seus ombros se tensionarem, sua dificuldade em respirar.

— Isso nos deixou expostos. E... aquilo... não alguém, mas uma presença, uma sensação... me congelou. Congelou nós dois, nos separou. Quando o encontrei, ele estava estirado no chão completamente machucado.

Austin segura a mão do irmão inconsciente, preocupação nítida estampada em cada linha expressiva de seu rosto. Todos os príncipes se entreolharam, por fim recorrendo à Finn. O dono da barreira que agora nos protegia, que todos pensávamos já ter um plano para a situação, acaba por se dirigir a mim. Meu estômago borbulha.

— Não temos tempo a perder Kali. Nosso poder aumentou, mas o de Kai também. O melhor que podemos fazer...

— É atacar o quanto antes.

Completo a frase. Borboletas surgem em minha barriga, os braços tremem mesmo cruzados. Sinto um arrepio por toda a extensão de minha coluna, o medo e ansiedade se entrelaçando como dois fios inconstantes em pavor. Precisávamos atacar. E não era na próxima semana ou no próximo dia, precisava ser naquele momento. Precisávamos deixar os não herdeiros para trás e atacar, porque aquilo foi um aviso. Um aviso de que somente os herdeiros possuíam o mínimo de poder para sequer enfrentar Kai. Apenas nós poderíamos lutar.

Sinto uma mão pressionar a minha, e sinto algo quase igual ao calor que Edwin me trazia com o mesmo movimento. Mas é Lúcios, que entrelaça seus dedos nos meus, e me encara com um olhar de urgência. Sei que quer sair dali por uns instantes, por isso me levanto e dou uma desculpa qualquer para me arrastar pelos corredores escuros e macabros daquele castelo, cujo o dono havia tirado a vida de tantos. A vida dos próprios filhos através de suas pesquisas malignas. Não me lembro muito bem de Lúcios ou de seu pai quando era mais nova. Só sei que ele sempre foi conhecido como o príncipe que merecia o trino, o pesquisador inteligente que mantinha o reino estável, e tratava sua rainha como uma verdadeira princesa sem que ela precisasse se esforçar. Todos pensavam isso, quando na verdade ele só queria mantê-la longe de seus assuntos perturbadamente errados. Lúcios me seguia alguns passos atrás, me trazendo uma vaga lembrança de quando o mesmo aconteceu a algum tempo atrás, em outro castelo, de outra forma.

— Também me lembrei daquilo.

Da vez em que eu pensei estar sendo seguida, quando na verdade Lúcios apenas tomava o mesmo caminho que o meu, para um destino parecido. Finalmente paro de andar, quando me vejo em frente a uma grande janela do corredor, o vídeo empoeirado quase escondendo o lindo jardim já tomado pelo verde. Raizes cresciam ao dedos das estátuas e fontes, os pergolados praticamente caindo aos pedaços. Não foi apenas seus filhos que foram quebrados pelo rei, o reino também foi.

— Você lê mentes?

Eu pergunto descontraída, tentando deixar minha voz o mais leve possível, o corpo relaxado. Mas a verdade é que eu não gostaria de ter minha mente lida, mesmo que por Lúcios. Era no mínimo embaraçoso. E para meu alívio, o príncipe se aproximou de vagar, a voz terna e calma ondulando pela noite sem tocha alguma:

— Não. Isso não. Leio pessoas, quanto mais conhecidas mais fácil. Leio expressões, movimentos corporais... com você é ainda mais fácil.

Ele ri, e o som me faz cócegas, me trás paz em um canto da alma que eu não me lembrava. Lúcios sorria. Agora ele estava sorrindo, ali, comigo.

— Mas se quiser que eu pare...

— Não.

Eu o interrompo antes que ele possa terminar a frase,me coloco entre ele e o vidro, para que seus olhos não se desviem de mim.

— É bom você saber do que preciso.

Lúcios me encarou no fundo dos olhos, e por um instante, pude sentir sua alma roçar a minha. Uma de suas mais se ergueu até meu queixo, a outra desceu até o bolso da calça. E então ele se ajoelhou. Diante de meus pés sujos de terra e sangue seco, com novas cicatrizes tão horrendas como as anteriores, ele se ajoelhou. Beijou cada um dos tornozelos, e por fim tirou a mão do bolso, revelando um pedaço de fita vermelha.

— Isso. — ele diz, passando os dedos pelos meus tornozelos— É pra que não se perca de mim.

Como se desse um laço em um presente, Lúcios envolve meu tornozelo com o tecido fino, dando um laço e um nó para que dure no lugar. Ele se levanta, e tira outra fita quase idêntica à que agora permanece em mim. Eu a pego antes que ele me de instruções, e envolvo seu pulso com ela. Eu a amarro o mais forte que posso, em seguida beijo sua mão .

— Para não nos perdermos um do outro.

Digo por fim, já sentindo um nó se formando em minha garganta. Um medo conhecido envolve minha mente, atacaremos em minutos. Não posso perder Lúcios, não posso viver sem ele. Estamos mesmo prontos? Sinto meu corpo ser puxado e envolvido, abraçado por aquele cheiro, prensado contra o vidro. E decido que não poderia ter feito nada melhor que escolher Lúcios para mim, de decidir meu destino com aquele homem tal incrível. Decido que nada mais importa, vou salvar meu reino com ele ao meu lado. E ninguém, em todos os mundos vai tirar ele de mim.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora