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"Sana"

- Como foi?

Eu ignorei a pergunta de Mina assim que pisamos em casa, fugir das perguntas começava a ser a minha opção favorita, fugir de todos, mas eu não conseguia fugir da dor, não conseguia fugir de mim mesma e aquilo me matava. As lágrimas desciam quentes e cortantes pelo o meu rosto, eu já deveria ter me acostumado, mas cada comentário sempre doía, cada piada de mal gosto, me machucava.

- Sana? - a voz da Mina naquele momento me irritou, eu só queria ficar sozinha, nada mais.

- Me deixa...

- O que aconteceu, meu bem?

- A minha vida aconteceu, Mina! Essa mudança aconteceu! Tudo aconteceu!

Após gritar eu senti as lágrimas descendo pelas minhas bochechas mais uma vez, me fazendo entender que por mais que eu tentasse, nada do que eu fizesse, lutasse ou rebatesse, mudaria o fato que eu era uma estranha em uma escola nova, uma escola aonde todos os alunos eram normais, menos eu.

Não queria ser a irmã que dava trabalho, não queria que Mina é Momo me odiasse, de longe, eu não queria nada daquilo. Eu só queria... poder enxergar, poder ir ao cinema, ao parque, mas como uma pessoa qualquer, uma adolescente qualquer. Eu nunca teria aquilo.

Não sei ao certo quanto tempo fiquei naquela cama chorando, sentia o meu rosto inchado e provavelmente meu travesseiro estava molhado por conta de tantas lágrimas que derrubei, eu me sentei na cama respirando fundo e sentindo de longe o perfume de Mina, sempre era assim, nunca era diferente.

- Mexeram com você na escola?

- O que você acha, Mina? Uma aluna nova, que chega na metade do ano e além de tudo é cega.

- Eu sinto muito, meu bem... é difícil no começo eu sei, mas depois eles esquecem desse pequeno fato e você terá amigos-

- Não! Não fala que eu terei amigos! Quem iria querer ser amigo de uma cega...?

Nem ela e nem eu falamos mais nada depois daquilo. Mina ajudou a tirar meu uniforme e por fim eu me enfiei debaixo do chuveiro quente, soltando mais algumas lágrimas que no fim se misturava com a água do chuveiro, parecendo inexistentes. Aquela era a minha vida, e eu não poderia mudar o rumo dela.

...

- Oi - eu dei um pulo me encolhendo um pouco mais no canto daquela parede, uma voz calma chamou a minha atenção, juntamente ao meu medo - Não fique com medo, não vou ser igual a idiota da Tzuyu. Eu me chamo Jihyo e creio que você é a Sana certo?

- Sim...

- É um prazer te conhecer, Sana.

Eu dei um leve sorriso em constatar que ela havia se sentando ali do meu lado, pois o seu cheiro estava mais forte agora. Senti um embrulho em minhas mãos, cobertas pela mão da garota.

- Aqui, é a metade do meu sanduíche.

- Ah não... não estou com fome, obrigada.

- Irei ficar bem chateada se você não aceitar. Não está envenenado nem nada, pode confiar em mim.

Tateei a embalagem achando a sua abertura, o gosto da geleia de uva em minha boca me fez sorrir - era o meu favorito. Acho que comi aquela metade de sanduíche em dois minutos, eu não tinha a capacidade de ir até o refeitório pegar a minha própria comida, e para não ser alvo de alguma piada preferia ficar em um certo canto que Momo sempre me deixava, sempre perguntando se eu realmente não queria comer, e eu sempre negando.

- Obrigada.

- Não me agradeça. Afinal, porque veio pra cá na metade do ano?

- Eu era do Japão, e a minha irmã mais velha achou melhor a nossa mudança pra cá. Diz que aqui tem um melhor tratamento para a minha deficiência.

- E pelo jeito... você não foi muito a favor, não é?

- De longe... - eu murmurei em meio a um suspiro - Acho que a minha irmã mais velha não entende o quão difícil é para uma adolescente entrar em uma escola nova na metade do ano, com deficiência visual.

- Eu sei que é bem difícil, a adaptação é bem difícil, mas fica fácil assim que tem alguém ao seu lado!

- Não tenho...

- Agora tem! - a sua voz era animada, e as suas mãos repousaram nas minhas talvez em  um gesto de "apaziguar" a minha briga interior. Mas dessa vez eu me permite sorrir com aquilo, talvez fosse bom.

Passei aquele intervalo conhecendo um pouco mais Jihyo, sobre as suas matérias favoritas, seus "inimigos" e podia ver que Tzuyu mexia com todos ali, o que só fez crescer ainda mais a minha raiva sobre ela.

Antes de retornar a aula passei ao banheiro, torcendo profundamente para que ninguém estivesse ali. Ao entrar senti um forte cheiro, um cheiro que fez a minha cabeça doer, mas eu resolvi ignorar. Caminhei sendo guiada pela minha bengala até a possível pia aonde eu lavei a minha mão e pronta para sair escuto a porta de uma das cabines ser aberta.

- Ora, ora, ora, se não é a ceguinha! - eu já havia aprendido a odiar aquela voz, e olha que fazia apenas dois dias que estava naquela escola - O que faz aqui?

- Não é da sua conta - não tive medo de responder naquele minuto, parecia que eu poderia sim ser mais forte que ela, doce ilusão a minha.

- Certo, a cega quer mesmo tentar ser a valentona da situação? - eu ouvi a sua risada e logo em seguida quatro mãos segurarem os meus braços - Deixa eu te falar, Minatozaki Sana, que quem manda aqui sou eu, e se acostume, pois você virou a minha atração bizarra favorita.

A sua voz foi a última coisa que eu ouvi antes de algo ser jogado em cima de mim, algo com cheiro muito muito ruim, o cheiro era tão ruim que eu não aguentei, e joguei a única metade de sanduíche que eu havia comido para fora, resultando em gargalhadas ao meu redor.

Eu não podia correr, não tinha capacidade pra isso, não podia revidar porque de fato não estava vendo o que estava acontecendo, então a minha única escolha foi derrubar toda a minha irá e a minha dor em lágrimas, aquilo doía mais que socos no estômago, sempre seria assim. Eu nunca teria paz.

- O que vocês fizeram com ela! - em meio aos meus soluços eu escutei a voz da minha irmã, uma voz dura e irritada.

- O seu também está guardado, não se preocupe.

Consegui sentir as mãos de Momo sobre os meus ombros depois em meu rosto o segurando entre suas palmas, eu estava tremendo, em um estado de choque e pânico que a muito eu não ficava.

- Vamos pra diretoria agora. Essa Tzuyu vai ter o que merece.

- Não... não por favor não...

- Não? Sana! Ela jogou uma lata de comida podre em cima de você!

- Eu quero ir pra casa... quero sair daqui por favor, Momo...

Eu não sei se foi o meu estado de choque ou por pena, que Momo resolveu acatar o meu pedido. Se eu pudesse, nunca mais voltaria naquele lugar, eu não queria, eu não era capaz de fazer nada a não ser chorar e culpar a minha vida por tudo aquilo que me acontecia.

Labirinto (Satzu)Onde histórias criam vida. Descubra agora