Destinado a você

Capítulo III

Dionísio havia determinado que um de seus funcionários o levasse para fazer as compras, então as oito em ponto Kael ouviu uma buzina soar na frente de sua casa, quando saiu para verificar de quem se tratava, percebeu que já havia visto o rapaz passar diversas vezes pela sua rua, provavelmente a caminho de onde morava Dionísio, que assim como ele também tinha a pele repleta de desenhos, Kael imaginava que para seguir tal profissão, aquele parecia ser um dos requisitos. Se aproximou do portão e de perto notou o quanto o rapaz era bonito e parecia poucos anos mais novo que Dionísio, semblante sério e nenhum pouco amigável, o que intimidou Kael.

Hesitante, Kael chamou o rapaz e avisou. – Só vou escrever um bilhete para os meus irmãos e já volto, tá? – como resposta Kael obteve apenas um dar de ombros mal humorado. Quando voltou para dentro, pegou um pedaço de papel e avisou seus irmãos que deveriam obedecer Aquiles e assim que fosse possível traria comida para eles, colocou o bilhete fixado com um ímã na geladeira e saiu para começar seu primeiro dia de trabalho na casa de Dionísio.

O rapaz o levou a um grande supermercado da região, mas Kael em todo percurso sentiu-se desconfortável, desde o momento que entrou no carro e desejou-lhe bom dia e nem sequer recebeu um mero aceno de volta, aos olhares afiados que lhe eram destinados pelo retrovisor até a parada do veículo em seu destino e sendo incentivado a não demorar, pois a sua carona tinha coisas muito mais importantes pra fazer do que servir de motorista pra empregadinha do Dionísio. Não havia dúvida, parecia que Kael atraía desafetos apenas pelo simples fato de existir, cabisbaixo não ousou proferir nenhuma palavra, saiu do carro, buscando não se abalar, essa era sua chance, esse emprego era tudo que vinha pedindo aos céus nos últimos tempos, ele não havia pedido nenhum favor a esse rapaz, tinha sido uma ordem de Dionísio, então não deveria intimidar-se.

– Ei! Ei! – O rapaz o chamou quando estava prestes a entrar no mercado. – Dionísio mandou esse cartão pra ti, é pra quando tu for fazer as compras. – Do outro bolso ele retirou um papel pequeno e também o entregou. – E aqui tá a senha. – Não houve tempo para Kael agradecê-lo, pois ele já havia virado as costas.

Kael comprou tudo que achou que precisaria para cozinhar as refeições do dia a dia, e como não conversou com Dionísio sobre o que ele gostava, supôs o que poderia ser de seu agrado e também os pegou, e como ele havia recomendado, também comprou o que precisava para casa, nada muito caro, apenas o necessário, mas Kael estava feliz com isso, e pretendia se esforçar ao máximo para agradar Dionísio, ele queria retribuir, pois nunca tinham o ajudado como ele havia feito, e com isso se fazia ainda mais encantado pelo que lhe era proibido desejar.

Com as compras no porta-malas e chegando próximo de seu bairro Kael pediu para que parassem primeiro em sua casa para que pudesse deixar as compras para seus irmãos, Kael não tinha ideia de que horas voltaria para casa, então aproveitaria a oportunidade para deixá-los supridos, ainda que seu mais novo desafeto resmungasse, pois sabia que em sua ausência Aquiles tomaria conta de Emílio e Lúcia.

Quando voltou para o carro, Kael constatou que definitivamente aquele rapaz seria um problema. – Você tá com muita regalia pra quem tá começando hoje. Será que tu é mais que uma empregadinha?

Kael se surpreendeu com o comentário, porém, mais pelo teor do que a acidez. – O teu patrão apenas me deu um emprego! É um trabalho como outro qualquer, ele precisa de uma pessoa pra limpar a casa e cozinhar, e eu de um serviço. Você não deveria… – Kael tentou argumentar, no entanto, mais foi grosseiramente interrompido.

– Nunca vi homem fazendo serviço de mulher. Se bem que você, não sei o que é, mas com certeza não é homem. Agora, Dionísio se rendendo a brincar de casinha com macho… isso sim é novidade, se continuar assim vai cair rapidinho. – O escárnio derramava-se de suas palavras.