Roupas espalhadas pelo chão, lençóis bagunçados, cortinas parcialmente puxadas e uma réstia de sol que infiltrava-se no ambiente, como se indicasse a Kael o centro da cama, para ele aquele feixe de luz mais parecia um holofote sobre os corpos que se entrelaçavam adormecidos.
Kael não tinha ideia de quanto tempo passou observando a cena a sua frente, mas sentiu que prendia o ar e somente pôde respirar novamente quando finamente conseguiu desviar seus olhos, percorreu todo o corredor e encontrou o armário que procurava e retirou a toalha que precisava, mas tudo que realizava era em modo automático, não compreendia a dormência que havia tomado seu peito e o nó doloroso que se formou em sua garganta, retornou a passos apressados a cozinha, e quando passou em frente ao quarto de Dionísio certificou-se de deixar seu olhar baixo.
Julgava ter interpretado com olhos fantasiosos o que ocorrera no dia anterior e lamentava não conseguir evitar de manter ilusões.
Não se tratava mais de um encantamento que o acompanhava desde a adolescência, e agora Kael reconhecia como sua mãe estava certa, instruí-lo a manter distância de Dionísio era apenas proteção, não queria vê-lo machucado, e agora estava ali, verdadeiramente apaixonado e despedaçado, vendo todos os dias alguém que jamais poderia ter. Mas tinha certeza que não seria daquela maneira que Lurdes imaginava que seria ferido, no entanto, o causador de sua dor sequer tinha ideia que rasgava seu coração em dois.
Como lhe era de costume, via o trabalho como melhor remédio para ocupar a mente e tira-lo de suas lamentações, no entanto, aquilo que realizava naquele dia era mais que um serviço, fazia porque queria agradar, e ainda que mantivesse tal objetivo, não conseguia sentir o mesmo entusiasmo de outrora.
Arrumou a mesa da edícula e lá alinhou os recipientes com arroz, maniçoba, vatapá, a farofa de cheiro verde e possíveis molhos para acompanhar a carne que pretendiam assar, depois pegou a mesa aparador que havia na sala de jantar e a colocou em um canto próximo da mesa principal, lá depositou pratos, copos e talheres, tudo devidamente organizado, então se afastou a fim de verificar se tudo estava em ordem.
– Tá tudo perfeito. – Exclamou Dionísio ao se aproximar, tocando seus braços. Surpreendido pela repentina aparição, Kael se assustou e por reflexo se virou rapidamente, afastando-se de seu toque. – Não quis te assustar. – Sorriu gentil, como poucas vezes fazia.
– Tudo bem, eu é que tava muito concentrado aqui. – Kael sorriu, mas não tinha o mesmo brilho nos olhos de quando chegara, lembrava da cena que a pouco havia presenciado. – Já terminei... não fiz nada muito elaborado, só deixei um pouco mais organizado.
– Não. Tá tudo muito bonito garoto. Tu caprichou... – Sorriu sincero, admirando. – Veio sozinho? Não quis trazer teus irmãos?
– Só vim mesmo arrumar.
– Não garoto, fica aí, fez isso aí tudo e não vai aproveitar?
– Não. Fiz pra você, é seu aniversário... Ah e me desculpa, nem te felicitei... Parabéns Dionísio. – Kael se aproximou, mas não o abraçou, apenas estendeu a mão formalmente em cumprimento.
Dionísio franziu o cenho, estranhando o gesto, mas retribuiu o aperto de mão sem qualquer comentário, no entanto, não lhe passou despercebido o distanciamento que Kael lhe impunha, o sorriso fácil que preenchia o rosto do garoto e o brilho constante nos olhos não estavam ali, recriminava-se ao pensar que poderia ter alguma ligação com seus avanços, mas questionava-se pois tinha certeza que viu em seus olhos pura entrega, preocupado que estivesse enfrentando algum problema em casa resolveu perguntar:
– Tem certeza que está tudo bem?
– Sim.
– E na tu casa?
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Destinado a você
RomanceKael, um jovem humilde e de modos simples, após perder a mãe, se vê responsável pela criação de seus três irmãos mais novos, sem emprego e depois de frustrantes buscas, aventura-se em uma nova empreitada. Kael ao entrelaçar seu caminho ao de Dionísi...