Capítulo [1]

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- E lá vem elas. — Emilly, uma das duas mulheres da cela disse e voltou a se sentar. — Tudo bem, essa mulher tem uma fama horrorosa por aqui mas, admito, ela é bonita, não acha?

Não obtendo resposta alguma, Emilly revirou os olhos e calou-se.

- Vistoria. — Uma mulher fardada disse em bom som enquanto abria a cela. Atrás dela estava Ângela.

A carcereira começou a mexer em tudo ali, Maria quase não olhava para o que estava sendo feito, por alguns segundos distraiu-se ao ver o rosto da expressão quase neutra de uma das mulheres.

- Qual seu nome? — ela perguntou olhando para ela, a mulher seguia em silêncio.

- Não ouviu? Qual seu nome? — a carcereira falou mais alto.

- Me chamo Maria. — a detenta finalmente respondeu.

- Por que está aqui? — Ângela continuou a perguntar, Emilly até mesmo estranhou já que quase nunca ouvia sua voz.

- Tráfico. Me lembro bem.

A mulher respondeu por ela. A delegada e também diretora não escondeu a surpresa, Maria não parecia uma mulher que fosse capaz de traficar. Ela a olhou uma outra vez e agora Ângela a olhou de forma mais profunda. Elas finalmente iam embora.

- Você viu? Por que será que ela perguntou isso? Quer dizer... — ela deitou. — Não sei por que pergunto se você nunca fala mesmo.

- Eu gosto do silêncio, Emilly.

Ela respondeu com seu olhar distante como sempre o fora. Emilly respirou fundo, virou seu corpo para ver a amiga e com o mesmo olhar perdido quando viram as luzes desligarem.

- Por que você está aqui? — Em pouco mais de um mês juntas, era a primeira vez que Maria fazia qualquer pergunta para Emilly.

- Em uma noite havia tomado um remédio para dormir, acabei atropelando um rapaz, ele não sobreviveu e eu não sou rica. — lamentou. — Por que nunca fala de você?

Maria não lhe olhava mas pôde ouvir a companheira suspirar.

- Você tem, filhos, Emi?

- Não. Você tem?

- Tenho.

Não só pelo tom de voz, Emilly naquele momento entendeu muito do jeito de ser dela. Emilly era mais jovem que Maria, essa que voltava pelos quase quarenta anos, intuía a companheira de cela. Precisavam dormir.

Dia seguinte estavam cedo trabalhando, cada uma em funções escolhidas, Maria adora a costura, Emilly a acompanhava desde o início, agora parecia respeitar ainda mais o silêncio da colega. Enquanto isso em uma sala não muito longe dali, Ângela falava com um amigo investigador que dividia o trabalho com ela naquele lugar.

- Com sono? — ele lhe entregou um café.

- Eu não sei se quero continuar trabalhando em presídios, mesmo que esse seja pequeno e até relativamente tranquilo.

- Eu nem fico aqui na maior parte do tempo e já entendo porque diz isso. Mas olha, é por pouco tempo, você só está em substituição. Vai para casa agora?

- Não... — ela pareceu pensativa.

- O que houve? Precisa de alguma ajuda?

- Na verdade, acho que sim.

- Manda. — ele disse e a viu encostar na mesa enquanto movia com as mãos os cabelos, era um gesto que lhe era característico.

- Fernando, quero que encontre o que puder sobre uma das nossas internas. — O homem a olhou de forma curiosa mas não ousou brincar.

- Quem é?

- Cela 43, se chama Maria.

- Hm... São inúmeras as Marias mas acho que tenho o suficiente, assim que estiver com algo, te aviso.

- Obrigada, só não demore com isso, é urgente.

Os dois param de falar quando ouviram sirenes por todo o corredor 2. Ângela já se preparava para sair da sala quando uma das mulheres se aproximou, parecia agitada.

- O que houve?

- Eu ainda não sei, diretora, estava indo para lá quando ouvi os gritos.

Os três caminharam quase correndo, quando chegaram viram a Maria deitada no chão do enorme banheiro, várias internas a olhavam enquanto Emilly parecia desesperada ao seu lado. Duas guardas tentavam acorda-la, em vão.

- O que aconteceu aqui? — Ângela quase gritou, assustou até mesmo a Fernando que a conhecera de anos. Ângela era conhecida por ordenar tudo em um tom mais frio, ninguém sabia como conseguia.

Ela aproximou de Maria, abaixou-se e tocou em seu rosto, por um instante esqueceu que não estava sozinha.

- É a segunda vez que vou perguntar, não obtendo nenhuma resposta, levanto as deixando por uma semana sem o trabalho de cada uma das que estão aqui presentes.

Agora voltara ao tom habitual seu enquanto se levantava.

- Empurraram ela no canto da entrada do acesso ao banheiro, diretora. — Emilly respondeu, se enchendo de coragem.

- Cubram essa moça e levem ela até a enfermaria agora mesmo. — ela ordenou e as três mulheres buscaram uma segunda toalha para cobri-la melhor. — Suponho que aqui ninguém viu quem fez isso, não é?

Elas continuaram em silêncio enquanto Fernando observava a amiga, Emilly ainda parecia nervosa.

- O banho de sol estará suspenso até que eu saiba quem e o porquê. Voltem agora. — ela falou com a voz firme, baixa.

- Eu já vou, estou atrasado mas te vejo amanhã. — Fernando disse para que somente ela ouvisse. Ângela acenou.

- Vou com você até sua cela. — Emilly assustou com Ângela lhe seguindo, silêncio era tanto que ouvia o som de seus sapatos. — Essas são as coisas dela?

- Sim, senhora.

Ângela pegou seu uniforme e segurou em sua mão saindo em seguida com a cabeça altiva. Ao chegar na enfermaria, agora com um curativo em sua testa e um leve avermelhado no braço, viu a Maria já acordada. Ao seu lado estava somente a enfermeira, do outro lado viu a médica.

- O que houve com ela?

- Ela não fala muito, até seu nome eu só soube por conta de umas das guardas. Parece que caiu, empurrada, diria. Era alguma briga?

- Não, não foi briga, só estava ela machucada e desacordada.

Ângela se afastou indo até a Maria, a olhou observando cada detalhe de seus machucados.

- O que aconteceu?

- Eu não posso voltar a minha cela? — Maria queria chorar, sua voz quase quebrou.

- Está sentindo dor?

- Por que me pergunta essas coisas e me trata como se...

- Não faça isso. — Ângela quase sussurrou. Agora era Maria quem a olhava de uma forma mais pessoal para ela.

- Não sei o nome, ela me empurrou. Esse tipo de coisa acaba acontecendo aqui, mesmo que umas das partes não saiba brigar.

- Ela fez isso do nada? — Ângela suspirou, sabia que Maria não diria mais nada. — Suas roupas estão ali, sairá somente amanhã, descanse.

Maria quis agradecer, era a primeira vez em muito tempo que sentia que alguém perguntara por ela por realmente se preocupar. Por outro lado, todas as vezes que tentou demonstrar o mínimo de carinho a alguém, viu algo desastroso acontecer em seguida, optou pelo silêncio.

- De nada. — Como se lesse seus pensamentos, Ângela disse isso e saiu.

A número 43Onde histórias criam vida. Descubra agora