Capítulo 25 mãe

8 2 0
                                    

Gal teve uma certa dificuldade de imaginar Taliw grávida, não porque era ela em si, mas sim o fato de que na cabeça de Gal as ninfes e a maternidade não poderiam existir em uma mesma frase. Não era como se ele tivesse tido uma "mãe" já que a mesma havia entregado ele e Kax ainda bebé  para ser sacrificado para a deusa das ninfes e logo depois sumiu no mundo.

— Não foi algo que ela nos disse diretamente, mas com os meses se passando podia-se notar seu ventre crescendo de pouco a pouco e eu pensei que essa gravidez só iria piorar a vida da garota, já que se antes era difícil dela largar daquele desgraçado, agora com uma criança nos braços seria ainda pior, mas foi então que Taliw começou a sorrir novamente. Rapaz, que sorriso lindo que a tempos eu não via. Ela tinha um brilho diferente e ela começou a falar também, e não era sobre trabalho, e sim sobre seu futuro, isso meio que me surpreendeu e me alegrou. Sinceramente aquela criança que eu conhecia havia voltado e ela estava fazendo planos para ela e para o bebê. Claro que ela só falava do bebê, mas eu e os outros ficamos felizes por ela e, mais do que isso, afinal, sempre que ela estava conversando comigo sobre o que ela e seu filho fariam quando o mesmo viesse ao mundo, David não fazia parte desses planos. — O velho falava enquanto olhava para o vazio. E finalmente Gal conseguiu pensar em sua pequena dama grávida, ela sentada em uma cadeira acariciando a barriga enquanto cantava uma canção calma e infantil. Era realmente uma imagem encantadora, mas...

Gal engoliu em seco, sentindo algo desagradável e terrivelmente doloroso começar a se formar em sua alma.

— O-o que aconteceu? — Gal perguntou e pela primeira vez ele duvidava se queria saber a resposta, ele percebeu que sua voz não soava mais forte. O humano deu a Gal um sorriso triste. 

— Você viu uma criança na casa dela quando a visitou? Acho que David a atingiu antes que ela conseguisse deixá-lo. Quando ela voltou ao trabalho após o... o tal "acidente", as dançarinas que se trocavam no vestiário me disseram que ela tinha alguns hematomas novos onde a barriguinha deveria estar, depois disso ela passou a se trocar sozinha no banheiro feminino.

Foi como se alguém tivesse dado um soco no estômago de Gal. Todo o ar pareceu deixá-lo e ele se viu não só odiando o humano que mutilou sua pequena dama, mas também se odiando por esperar tanto tempo para conhecê-la.

Mas à medida que a dor latejante crescia, Gal pensava que sua alma iria se quebrar, um novo tipo de admiração por sua pequena senhora se desenvolveu. Ela estava danificada, mas não quebrada. Apesar do que aconteceu, ela não quebrou. O desgraçado não a quebrou porque se ela estivesse quebrada, ela não seria a senhora durona que é hoje.

Se ela estivesse quebrada, ela nunca teria dito "não" a ele naquela noite no banheiro feminino e de repente Gal ficou feliz com isso. Ele estava feliz que ela o odiasse. Ele tinha orgulho de querer uma senhora tão difícil de conseguir porque apesar do que ela havia passado, agora ela estava ciente do que ela poderia ter e ser.

— Você está bem, amigo?— Gal piscou de volta à realidade e encontrou seu novo amigo olhando para ele intensamente.

— Claro que estou. Digamos, apenas por nenhuma outra razão além da curiosidade, David ainda mora na cidade? 

O sorriso de Zippini ficou um pouco mais... cruel.

— Não. Logo depois que David espancou Taliw a ponto de matar o bebê, ela o deixou, não mais de uma semana depois, a polícia encontrou o corpo de David dentro da casa onde os dois costumavam a viver, as tripas dele haviam sido arrancadas pela boca, não faço ideia de quem fez isso ou como fez, mas se eu o encontrasse eu lhe agradeceria... — Zippini explicou, seu sorriso crescendo por centímetro.

— Foi isso que aconteceu? 

Zippini assentiu dizendo:

— Não é uma coisa maldita, eu acredito que o que aquele lixo recebeu foi uma punição pelo que fez.

— Sabe, eu pensei que a maioria dos donos de bares nesta cidade eram desprezíveis e corruptos, sem interesse em ajudar os outros. — Gal falou sorrindo fracamente ainda se sentindo abalado com o que ouviu.

— Eu sou todas essas coisas, e se você perguntar a Taliw, ela vai te dizer que eu me rendi aos malefícios da ganância humana, —  O velho ri desanimadamente. — mas ela é uma boa garota e se ela soubesse o quanto eu estava preocupado na época por ela... eu achei que ela ia se abrir comigo, conversar, mas eu fui o mais tolo dessa história eu deveria tê la ajudado mesmo que ela não houvesse pedido ajuda... — Velho novamente se sentiu envergonhado pela posição passiva que havia tomado na época. — Eu falhei com a Taliw e falhei com a mãe dela...

Zippini suspirou e levantou lentamente e Gal apenas o seguiu.

— Bem, tem sido ótima a nossa conversa, mas ainda sim deprimente como o inferno, então, se você não se importar, gostaria de encerrar essa conversa e voltar aos meus clientes. Você é bem-vindo para ficar e beber aqui quando quiser, mas primeiro esfrie a cabeça e a coloque no lugar. — Zippini riu ainda amargurado.

— Tentador, mas acredito que tenho uma cama que está chamando meu nome, mas sobre amanhã à noite...

— Sim, tudo bem. Eu farei isso, pedirei que ela vá vê-lo, mas te aviso, eu vou ir e ver como estão vocês dois e se ela não estiver feliz ou se você estiver fazendo algo que não deveria, saia ou não a impeça de sair. Não me importo com a diversidade no meu bar nunca me importei, mas me importo com meus funcionários sendo prejudicados e aquela pobre senhora já havia sido atacada uma vez em meu bar enquanto se trocava em um banheiro feminino. — Zippini o alertou e Gal percebeu um certo tom de ameaça oculta em sua fala.

Gal congelou e engoliu em seco, temendo que o velho humano tenha sabido do primeiro encontro do mitre e sua garota:

— Atacada?

Zippini assentiu e começou a gingar até a porta mais uma vez.

— Sim, algum idiota a muitos anos atrás a atacou no banheiro, na quela época o bar era muito pequeno e não havia vestiário, e isso foi quando ela estava começando a cantar era apenas uma criança ainda, eu nunca a vi chorar tanto, um dos seguranças tiveram que chamar a mãe dela para acalma-la. — Aquele sorriso malicioso reapareceu no rosto de Zippini. — Meus meninos arrastaram aquele desgraçado para fora e o espancaram dentro de uma das vielas. Você pode acreditar nos pervertidos deste mundo? — O velho falou se sentindo enojado.

Gal de repente sentiu a exaustão atingi-lo novamente, junto com uma grande quantidade de ódio por si mesmo e arrependimento.

— Sim... é inacreditável...




Em vez de se teletransportar para a sala de estar ou para a frente da casa, Gal decidiu ir direto para seu quarto, ele não queria acordar ninguém, e uma vez lá ele soltou um gemido doloroso ao sentir o resto de sua magia deixá-lo. 

Tudo estava acertado para amanhã à noite, mas ele não se sentia feliz. Ele não se sentia orgulhoso de si mesmo, ele se sentia uma merda, como um monte de merda inútil.

Ele sabia que a coisa mais dolorosa que já experimentou foi ver seu pai lentamente definhar em uma cama durante meses tentando sobreviver. Seu rosto cada vez mais mórbido, seus olhos nunca deixando de olhar os rostos de seus filhos, seu sorriso amoroso brilhando até que ele não pudesse mais se mexer.

Gal tinha seu irmão e a nonna para ajuda-lo naquele momento, mas para sua pequena senhora, ela não tinha ninguém com ela quando sentiu seu filho sumir de seu corpo. Ninguém, exceto o homem que acabara de matar seu bebe. 

O pensamento fez os nervos de Gal se agarrarem com tanta força que de repente ficou mais difícil respirar. Ela estava sozinha no momento em que precisava da ajuda de alguém. E então ele pensou em algo ainda pior. Aquele foi apenas um dos momentos em sua vida em que ela precisou da ajuda de alguém. Quantas vezes ela teve problemas e nunca foi salva? Quantas vezes ela precisou de ajuda e ninguém apareceu? Uma vez? Três vezes? Quatro mil vezes? Toda vez?

Gal pressionou a mão com força contra o peito e fechou os olhos, cerrando os dentes. E se ele também tivesse sido um dos problemas em que ela lidou? Não... ele com certeza foi um dos problemas.


CruelOnde histórias criam vida. Descubra agora