Dália Menezes
2008, Monterrey, México.
Tem meses que eu saio de casa escondida, entre o breu e a neblina das seis da madrugada para chegar à academia de artes marciais, Combate y Defensa, na hora que abre e sem que meus pais saibam.
Faço boxe há três anos com meu irmão Daniel; no primeiro mês meus pais acharam que seria somente mais um 'hobby' meu. Contudo, conforme os meses foram passando e eles perceberam que eu não iria parar e que o 'hobby' estava ficando sério, me proibiram, ameaçaram tirar minha herança por fazê-los passar vergonha perante aos amigos e assim davam o estímulo e parceria somente para Danny, aquilo me enfureceu e eu comecei a praticar escondida, nem tanto por ser um sonho ter o boxe como carreira, mas por revolta mesmo! Daniel sabe, é claro, a amizade que tenho com meu irmão mais velho é ótima, mas ele ser tão medroso com mamãe e papai me irrita!
Fecho a bolsa com minhas coisas do treino e abro a janela do meu quarto, dá direto para o quintal dos fundos com a enorme piscina e área de lazer, meus pais são grande influência nessa cidade e ainda acham que vão me fazer ser a filhinha que fica embaixo das asas deles, não vou! E eles tem que entender isso, só não agora, quem sabe depois?
Passo a alça da bolsa pela cabeça e pulo a janela pisando com meus tênis coloridos na grama molhada de orvalhos da neblina, alguns fios de cabelos vermelhos do rabo de cavalo batem em meu rosto e os afasto, era para ser fios longos e dourados como os de minha mãe, Mónica Menezes, mas eu, como uma boa filha rebelde, os pintei diversas vezes e quase infartei meus pais, sorrio com as lembranças.
Caminho em silêncio pelo lado esquerdo do quintal, onde a cerca está quebrada e eu uso para sair sem deixar rastros, pareço uma criminosa mas sou só formada em mestrado da espionagem, posso descobrir tudo que me der vontade, ainda não sei como fui fazer pedagogia e não entrei pra polícia, seria uma ótima detetive!
No geral, eu não sou uma garota metida ou arrogante com pais dentistas ricos. A única coisa colorida em mim é os cabelos e meu fiel companheiro tênis, ele já foi branco agora é todo pintado, o resto das minhas roupas são pretas e escuras na maioria das vezes, é muito mais prático. Trabalho a um ano num hospital auxiliando crianças internadas que precisam colocar as lições em dias, começo meio dia e saio seis horas, e é a única coisa em que meus pais me apoiam!
Abro a porta do carro sport azul de Daniel, sentando no banco do passageiro logo em seguida.
— Que demora, Dália! — Reclama ligando o carro, os faróis iluminam o asfalto enquanto prendo o cinto. — Mais um pouco, eu te largo aí!
— Ai que exagero, Danny. — Murmuro revirando os olhos, arrumo a bolsa nas pernas e a franja atrás das orelhas. — Estava divagando minha vida enquanto andava, sabe?
— E chegou ao resultado que você tá ficando doidinha? — Ele zoa pisando do acelerador, nunca entendi essa mania pra adrenalina que Daniel tem, seguro firme no banco.
— Cheguei ao resultado que não quero mais ficar escondendo essa parte da minha vida. — Explico respirando fundo, olho para meu irmão, tão bonito, os cabelos loiros e molhados jogados na testa a barba rala moldando o rosto, parece um pouco com nosso pai, Rogério, pena que é um medroso, coitado do pobre humano que se relacionar com ele, vai passar raiva. — Não estou fazendo nada errado!
— Para os nossos pais isso é um crime! — Danny aperta os lábios. — Imagina quando descobrirem que sou gay!
— Ah para, né?! — Exclamo puxando a perna esquerda e apoiando o pé no estofado, puxo minha meia pra cima. Recebo um tapa no joelho. — Aie! — Reclamo o encarando.
— Tira esse tênis imundo do meu banco!
— Olha, os nossos pais já sabem que você é gay, só não admitem, por isso te apoiam no boxe! — Retruco limpando o banco a tapas. — Acham que vão resolver, seja lá o que eles achem estar errado!
— Da mesma forma que acham que você fazendo boxe, vai te deixar menos mulher. — Comigo ele se expressa à vontade, quando é para se defender não a Cristo que o faça falar! — Eu amo nossos pais, mas odeio que eles sejam tão...
— Homofóbicos! Pode dizer, Daniel, não vai te matar! — Ralho com ele.
— Chega! Não quero falar disso!
— Como sempre!
— O que vai fazer na competição? Eles vão estar lá, como vai fazer para não te verem? — Daniel questiona mudando de assunto.
— Por isso eu tô te dizendo, Daniel, não quero mais esconder essa parte da minha vida! — Murmuro quando ele estaciona em frente à academia, tiro o cinto e abro a porta.
— O que vai fazer se eles não te aceitarem? Digo... — Daniel se confunde, tenho certeza de que essa pergunta é a que ele se faz todos os dias. — Se eles não aceitaram que você lute?
— Danny... — Começo chegando perto dele e o encarando, seus olhos são tão azuis como os meus. — Você é formado, é um ótimo jornalista e sabe disso, não precisa dar satisfação pra ninguém, nem mesmo eles! — Arrumo a alça da bolsa no ombro e suspiro resignada. — Se não me entenderem, eu vou embora e aconselho você fazer o mesmo! Não vou deixar que controlem minha vida!
— Vai embora? — Ele sorri negando, totalmente descrente. — Tá louca? Só pode, mesmo. Vai pra onde, Lia? Vai largar sua família?
— Vou! Vou embora mesmo, só considero minha família quem me ama como sou, posso amá-los, mas não vou sacrificar minha vida, Daniel! — Exclamo, estamos os dois ali, no estacionamento da Combate y Defensa, em pleno nascer do sol, debatendo sozinhos. — Eu te amo, sabe disso.
Um carro para à duas vagas de distância do de Daniel e nós paramos de conversar, mudo o peso do corpo para o outro pé e suspiro arrumando novamente a alça da bolsa. Danny ergue a mão e sorri, cumprimento seu amigo Christopher Gutiérrez. Passo a língua sobre o dente e arrumo uns fios de cabelo atrás da orelha, dou uma breve olhada no moreno a nossa frente e ele sorri, em resposta a meu irmão.
— Daniel. — Ele acena para meu irmão e depois me olha sorrindo, vejo o mesmo brilho brincalhão de ontem em seus olhos e desvio o olhar. Ainda posso escutar sua voz grave soar pelo estacionamento e depois seguir para o prédio adiante. — Professora!
Christopher é um idiota!
Temos um rolo as escondidas têm quase três anos, quando ele se mudou para nosso bairro, fez amizade com Daniel, foi convidado para o aniversário de dezoito de meu irmão e que no fim, acabou com dois adolescentes de dezessete anos, aos beijos na parte escura do quintal. Nosso relacionamento, nunca passou de beijos ou algo assumido mas depois de meses juntos, os amassos escondidos na praça ou qualquer outro lugar, evoluiu e fizemos sexo, só que nada mudou! Continuamos, amigos de rolo já faz todo esse tempo e não vejo problema, não quero mesmo um relacionamento sério e nem Chris quer isso!
Chris é estudante de direito, está pra se formar, mas é estagiário na empresa da família. Eu me formei no começo do ano em pedagogia, trabalho no hospital porque em escolas não deu certo. Ontem foi nosso dia de folga, nos encontramos e ele está com uma mania, um fetiche besta de ficar me chamando de professora em todos os momentos! Por isso, comecei a chamar ele de advogato, ou, advogostoso em momentos de provocações, só que o safado gosta e então os apelidos prevaleceram!!
Volto meus olhos para Daniel uns segundos depois, e ele me observa com os olhos semicerrados. Respiro fundo, não sei como, mas ninguém, nem mesmo Danny, sabe de nós dois e vai continuar assim.
— Também te amo. — Daniel murmura por fim, aliviando o semblante. Sorrio emocionada.
— Então já sabe que estou falando sério! — Sussurro engolindo em seco, dou uma breve olhada para a porta da academia, por onde Chris passou e volto a olhar Daniel. — Já tenho um destino! Vou pro Brasil, Daniel!
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A Babá Fantástica |REVISADO|
RomanceDália é uma mulher de 29 anos e se considera em eterno conflito. Se mudou e ganhou sua própria independência muito cedo, nativamente mexicana e à nove anos moradora da grande São Paulo, tudo o que ela menos queria era se envolver em uma polêmica ou...