☠ Epílogo ☠

569 74 97
                                    

Em Libertália, Eric andava despreocupado pela orla da praia, na porção que não tinha sido revirada pela tempestade de Zumé. Do outro lado, seu pai e o restante dos homens ainda trabalhavam na reconstrução das docas e das barracas que povoavam a entrada da vila, mas em algum momento aquela agitação toda foi demais para ele e Eric teve que se afastar para esvaziar um pouco a mente.

Caminhar ao ar livre e longe da pressão do pai lhe fazia bem. Com apenas a areia em seus pés e a brisa do mar bagunçando seus cabelos, Eric conseguia respirar melhor. E se fechasse os olhos quase podia imaginar, por um instante, uma vida diferente da que levava, longe da prisão que era viver naquela ilha. Por um tempo, pensou que a vinda de Elisa pudesse significar a mudança que ele tanto esperava, mas no fim nada havia mudado.

Frustrado, Eric agachou-se para pegar um cascalho da areia e atirou-o contra as ondas do mar com raiva, mentalizando uma maldição contra todos os deuses que existiam apenas para tornar a sua vida infeliz. O que ele não esperava é que eles fossem jogar a pedra de volta para ele, errando sua cabeça por pouco.

Ele ergueu-se assustado, olhando para a direção em que havia atirado o cascalho. A rebentação das ondas não estava muito intensa àquela hora da manhã, mas entre uma espuma e outra, Eric viu claramente quando uma criatura emergiu da água. Ele limpou os olhos, pensando estar vendo coisas, mas quando os abriu novamente, lá estava: uma forma feminina que o encarava de volta com uma expressão zangada. Não uma mulher. Uma sereia.

Seus pés aproximaram-se do mar contra a sua própria vontade, ansiando olhar melhor para aquela criatura curiosa. Ela era bonita de um jeito sereia, com a pele esverdeada e fendas dos dois lados do pescoço para que pudesse respirar debaixo d'água. Seu corpo era coberto por escamas que brilhavam em contato com a água salgada e seus cabelos compridos desciam em uma cascata de cachos acobreados que se fundiam às ondas. Ao se aproximar de Eric, ele pode ver uma longa cauda sedosa movendo-se com agilidade sob o corpo esguio.

— Oi, er... desculpe pela pedra, não sabia que você estava ali — disse ele de forma desajeitada, porque a sereia continuava a olhá-lo fixamente, como se pudesse atravessá-lo com os olhos. — Você entende o que eu digo?

Quando ela abriu a boca, sua voz saiu esganiçada e nada melodiosa, como era de se esperar de uma sereia.

— Vocês humanos não têm mesmo um pingo de consideração com o meio ambiente. Acha engraçado a grande bagunça que você causou no fundo do oceano? Tem noção de quantos peixes morreram com essa, essa... "brincadeira", como vocês dizem?

Eric ficou olhando, abobalhado. Não tinha a menor ideia do que ela estava dizendo.

— Espere, o que quer dizer com "grande bagunça"? Eu só atirei aquela pedrinha que você jogou de volta, não sei como isso pode ter causado...

— SÓ ATIROU UMA PEDRINHA? E o que me diz de todo aquele entulho no fundo do mar, hein? Destroços de barcos, todo tipo de tralha humana inútil que não consigo nem nomear, todo aquele ouro maldito. E os... corpos. Não suporto nem lembrar de todos aqueles corpos. Agora você terá a coragem de me dizer que não teve nada a ver com aquele vórtice horroroso que levou tudo isso para o fundo do mar?

— Mas eu não tive! — gritou Eric desesperado, cortando o desabafo agressivo da sereia. — Quem fez tudo isso foi aquele espírito Zumé. Como você pode ter visto o vórtice e não tê-lo visto? O céu ficou completamente escuro, o mar parecia um caldeirão descontrolado, nenhum humano teria esse poder.

— Bem, isso é o que você alega! Veremos se a Corte se convencerá de suas desculpas pífias.

— Espere, Corte? Que... Corte?

E se é que era possível ele ficar ainda mais chocado com aquela criatura, ela se ergueu do mar, a cauda dividindo-se em duas pernas esverdeadas perfeitas e eretas. Seu olhar era fulminante. Seu sorriso cruel causava-lhe um arrepio sinistro na espinha.

— Infelizmente, terei que levá-lo comigo para a minha rainha. Ela decidirá o seu destino final.

Eric engoliu em seco, dando um passo para trás.

— Eu sou inocente, eu juro. Por favor, não me leve para a sua... rainha.

O pensamento de ser arrastado para o fundo do mar para ser julgado por uma soberana que certamente era mais assustadora e mais cruel que sua serva sereia o apavorava. Quando se deu conta de que não adiantaria argumentar com a criatura marinha, Eric fez a única coisa que poderia fazer para se livrar dela: ele correu.

Era de se esperar que uma sereia com pés recém-adquiridos não pudesse acompanhar os passos firmes e rápidos de alguém que passou a vida toda andando e correndo com pernas de verdade, mas aquela não era uma sereia comum. Se é que existia algum tipo de sereia que pudesse ser catalogada como comum. A criatura não só era rápida, como tinha braços fortes que o enlaçaram pela cintura.

Eric gritou por socorro e tentou lutar contra a sereia, mas todo o seu esforço mostrou-se inútil. A sereia o arrastou de volta para o mar sem grandes dificuldades e, horrorizado, ele viu quando o mar abriu-se para aquela estranha criatura, como se ela tivesse poder sobre a água. E então, ele não viu mais nada.

Eric foi tragado completamente pelo mar.

Eric foi tragado completamente pelo mar

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Libertália: Raízes PiratasOnde histórias criam vida. Descubra agora