2018
Ao sair do quarto naquela manhã, Elisa tentava esquecer-se do sonho confuso que tivera para se concentrar em sua missão do dia, que seria ter que aturar um passeio idiota da escola à Ilhabela. Tinha sido um sonho esquisito, com piratas invadindo o porto e ela tentando combatê-los sozinha, como em um filme de aventuras. Mas logo ela não mais se lembraria dele. Com a mente criativa que tinha, Elisa já tivera muitos outros sonhos tão ou mais bizarros do que aquele, todos devidamente esquecidos.
Vivia com a mãe e o irmão em um apartamento modesto no décimo andar de um edifício em Santos e levava uma vida normal de estudante do ensino médio. Ou pelo menos o tão normal quanto tentava ser. A verdade é que Elisa não tinha amigos. Amava sua família, mas não conseguia se sentir à vontade com mais ninguém. Sempre que estava fora de casa, com pessoas da sua idade, era sempre artificial, como se ela não se encaixasse ali. Elisa não sabia o porquê, mas sentia-se solitária, como se não fizesse parte daquele mundo.
Por esse motivo, estava muito apreensiva naquela manhã. Jamais aceitaria ir naquele passeio não fosse pela mãe. Ela queria que Elisa saísse e se divertisse, quando toda a diversão de que ela precisava era ficar o fim de semana todo trancada no quarto devorando uma série de livros volumosa. Mas pela mãe, iria tentar.
Antes de acender a luz, viu um vulto na cozinha que quase fez seu coração sair pela boca. Em um segundo, mil coisas passaram pela sua cabeça, até que ela percebeu que se tratava do avô.
— O que o senhor está fazendo aqui com a luz apagada? — repreendeu ela, acionando o interruptor e inundando o cômodo com a claridade artificial.
Tinha a pele morena e enrugada, bigode e cabelos curtos grisalhos, uma silhueta frágil e pequenos olhos perdidos. Seu pijama, largo na parte de baixo, deixava à mostra uma ponta do fraldão geriátrico, indicando que ele tinha tentado arrancá-lo de novo.
— Estava conversando com ele — respondeu, com toda a naturalidade do mundo.
— Com ele quem?
— Com o meu papai. Ele veio me ver.
O avô de Elisa tinha Alzheimer, o que significava que esquecimentos e confusões entre fantasia e realidade eram comuns para ele.
— Que bom, isso quer dizer que ele gosta do senhor. Agora vamos voltar para a cama que ainda está muito cedo.
Enquanto mostrava-lhe o caminho de volta, Elisa ia tentando, delicadamente, colocar o fraldão no lugar. O avô andava devagar, e quando já alcançavam o corredor que dava acesso aos quartos, a figura de sua mãe, ainda de pijama, os interrompeu.
— Elisa, ainda não se arrumou? O ônibus já está partindo, ande logo ou ficará para trás!
Aquela era sua mãe, sempre preocupada. Ela não imaginava o quanto Elisa gostaria de ficar para trás.
— Já estava indo, é que encontrei um fugitivo no meio do caminho — disse, indicando o avô com a cabeça, que agora olhava-se pelo espelho do banheiro acenando para a sua imagem refletida.
Sua mãe apenas suspirou, cansada.
— Lá vamos nós de novo...
Elisa deixou o avô por conta de sua mãe e foi se trocar. Colocou uma roupa básica: uma calça jeans escura, tênis branco e camiseta amarela com estampa do Star Wars, que ela gostava. Em cinco minutos já estava de volta à sala. Ao passar pelo sofá, deixou a mochila já pronta sobre ele e foi tomar seu café da manhã.
Beto, seu irmão hiperativo, já estava com o pão pela metade quando ela se juntou a ele.
— E aí, pestinha? — saudou ela, rindo e bagunçando os cabelos castanhos e encaracolados dele.
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Libertália: Raízes Piratas
Fantasía🥇 1° lugar em ficção científica e geral no concurso Trick or Treat 🥇 1º lugar em fantasia no concurso Pequenos Girassóis 🥇 1° lugar em fantasia no concurso Mistérios da Índia do D&T 🥇 1º lugar em fantasia no concurso Deuses Gregos 🥇 1º lugar em...