☠ XXVII - Abalo sísmico ☠

302 75 162
                                    


Elisa tentava não pensar no que ocorria do outro lado da ilha enquanto corria com Henrique para a entrada da gruta. Após o primeiro tiro de canhão, os sons da batalha se intensificaram, estouros de tiro e o tilintar de espadas furiosas chocando-se umas contra as outras. Definitivamente, ela já tinha visto o suficiente para querer distância de duelos piratas.

Apesar do acordo amigável entre eles, Henrique trabalhava em silêncio, o rosto fechado e sério. Elisa pensou que talvez ele ainda estivesse remoendo a perda precoce de John Fox, já que nada em sua atitude demonstrava arrependimento em abrir mão do tesouro por ela.

O fato é que tinham encontrado uma pequena embarcação abandonada próxima às antigas docas da vila malgaxe, que por um milagre encontrava-se em bom estado de conservação. Com algum esforço, eles conseguiram arrastá-la para o ponto mais curto até a gruta e agora corriam em direção ao tesouro. O barco era pequeno, mas tinha um compartimento de carga que deveria ser o suficiente para acondicioná-lo em segurança.

Elisa parou por um momento para admirá-lo de novo: montanhas reluzentes de ouro em formato de joias e moedas, uma fortuna incalculável. Seu brilho místico refletia nas paredes de pedra da gruta como se estivessem vivos. Uma dança de luzes hipnotizantes. Não era de se admirar que tantos homens tiveram seu destino selado por aquele tesouro.

Sem se deixar abalar, Henrique passou por ela, puxando a enorme cadeira que jazia ao centro, ainda com os estilhaços da ampulheta mágica quebrada sobre ela, arrastando-a para fora.

— É melhor terminar logo com isso.

Elisa assentiu gravemente, deixando de lado suas divagações sobre o tesouro para ajudá-lo a carregá-lo até o barco. Encheu uma mão com um punhado de moedas e correntes, colocando sobre a camiseta esticada o máximo que podia carregar, seguindo Henrique para fora.

Durante um período que lhe pareceu interminável, nenhum dos dois falou nada, apenas indo e voltando da gruta com as partes do tesouro que conseguiam levar. Elisa notou pela testa franzida de Henrique que algo o incomodava, mas preferiu não dizer nada até que ele se sentisse confortável para se abrir com ela.

Em determinado momento, quando Elisa saia da gruta com a camiseta abarrotada de moedas e Henrique voltava do barco, ele a segurou pelos ombros, fazendo-a parar no meio do caminho.

— Elisa, você... o que houve entre você e o Rafael naquele encontro?

Elisa soltou o ar de seus pulmões, agarrando nas barras de sua camiseta com mais força. Então era isso que ele estava tentando dizer aquele tempo todo?

— Eu... não quero falar sobre isso. Desculpe.

Ela encolheu os ombros, desviando o olhar para baixo. Ele assentiu devagar.

— Tudo bem... — respondeu Henrique a contragosto. — Você tem o direito de não dizer nada se não quiser.

Eles voltaram a trabalhar em silêncio, o peso das palavras não ditas pairando no ar como bolhas incômodas que ninguém podia estourar. Estavam tão concentrados em si mesmos e na tarefa hercúlea de tirar o tesouro da gruta que nenhum deles notou como a ilha se transformava ao redor, a forma como a mata se fechava sobre eles.

Após mais um longo período excruciante, no qual ela não parava de pensar nas palavras de Nadine lhe dizendo que Henrique gostava dela, Elisa não conseguiu mais suportar a tensão tácita entre eles, dessa vez barrando a passagem de Henrique com um puxão agressivo pelo braço que o fez derrubar dezenas de peças douradas pela areia da praia. Ele a encarou com um olhar confuso.

— Certo, ele... bem, ele não era quem eu pensei que fosse — disse por fim, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Estar agora sozinha com Henrique a deixava nervosa, o que era bem estranho considerando tudo o que eles passaram juntos até ali.

Libertália: Raízes PiratasOnde histórias criam vida. Descubra agora