Deitada na cama observando o escuro do quarto, Ana tentava em vão decidir o que faria dali alguns dias quando o circo partisse.
Já havia repassado diversos cenários por sua cabeça mas ainda não conseguira chegar à uma decisão correta.
Ela queria ficar ali, mas será que era a decisão certa?
Sentindo que uma coisa levava à outra, mais uma vez veio a sua cabeça o convite que Tiago havia feito a ela e o avô.
Mesmo contra sua vontade, desde a última conversa que tiveram ela não conseguia parar de pensar em tudo que ele havia dito, e várias vezes se pegou questionando se aquilo era verdade.
Existia alguém que poderia tirar aquele peso dos seus ombros?
Repassou em sua cabeça tudo que havia vivido até então e lembrando-se das palavras do rapaz tentou imaginar como seria sua vida se ela e as pessoas ao seu redor tivessem simplesmente feito as escolhas certas.
Será que esse Deus teria ajudado em alguma coisa?
— Pietra, tá acordada? — Questionou, esperando ouvir a voz da amiga, mas obteve apenas o silêncio como resposta.
Faltava um dia para o tal retiro e ela havia convidado Pietra para dormir com ela na casa do avô.
Era interessante notar seus dois mundos se encontrarem.
Revirou-se na cama à procura de uma posição confortável e sem conseguir encontrar, bateu os pés com violência sentindo-os afundarem no colchão macio.
Desistindo de tentar dormir naquela hora, levantou-se da cama tomando o máximo de cuidado para não acordar a amiga e saiu do quarto deparando-se com o silêncio que envolvia a noite.
Caminhou no escuro, devagar e atenta a qualquer obstáculo que poderia estar no caminho, abriu a porta da cozinha e saiu para fora inalando o cheiro das flores que era espalhado pelo vento.
Aproveitando a noite clara iluminada pela lua cheia, deitou-se na grama verde usando as mãos como travesseiro.
Observando as estrelas brilhantes, quase como hábito, ia começar seu monólogo com o "pai" quando um outro pensamento lhe ocorreu.
Se ela falasse com aquele Deus assim como já tinha visto Tiago falar outras vezes, será que ele a ouviria?
Será que valia a pena tentar e acreditar que ele existia?
Decidindo que não tinha nada a perder, deixou que algumas palavras saíssem da sua boca, mesmo sem nem saber por onde deveria começar.
— Deus? Não sei como tenho que falar com você. Quer dizer, não sei nem se você existe mesmo. Talvez seja só uma invenção de pessoas que precisam se apegar à alguma coisa para conseguir viver. Mas se você existe, alguma vez já se preocupou comigo?
A voz embargou impedindo-a de continuar a falar e ela sentiu um nó na garganta que parecia crescer a cada segundo.
Que peso era aquele que ela sentia sobre ela?
— Será que alguma vez se preocupou com a gente, com minha família? Será que já viu tudo que eu passei sem ter ninguém para me ajudar? Se você existe mesmo, onde você estava?
Calou-se esperando ouvir alguma coisa, mas foi envolvida novamente pelo silêncio que era quebrado apenas pela sua respiração acelerada e o barulho do vento forte.
Retirou uma das mãos de debaixo da sua cabeça e segurou um punhado de grama arrancando-o da terra, e em seguida, jogou o punhado fora, com violência. Sentou-se no chão segurando as pernas de encontro ao peito e recomeçou a falar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...