O telefone tocou duas vezes e Tiago impaciente olhou as horas em seu relógio de pulso.
— Atende logo pai...
Mais um bipe, e a ligação foi atendida.
— Fala filho.
— Bom dia, tudo bem com o senhor também? — Ironizou, sabendo de antemão que o pai soltaria uma gargalhada estrondosa.
— Melhor, impossível — respondeu também com ironia após a gargalhada que o filho havia previsto —, mas qual é a dessa ligação fora de hora?
— Preciso que o senhor passe na loja e fique de olho lá no resto do dia pra mim. O Ricardo está sozinho desde cedo.
— Querida, me diz que tem um chuveiro pra eu trocar nessa casa, com urgência... uma pia pra consertar, talvez? — O pai brincou do outro lado fazendo Tiago resmungar com impaciência.
— É sério pai, preciso da sua ajuda. Estou no hospital...
— Hospital? Fazendo o quê? Você está bem?
Ouviu a voz da mãe soar preocupada ao fundo e percebeu que a ligação estava no viva voz.
— Eu estou bem mãe. Mas seu José passou mal e estou desde cedo aqui acompanhando ele, só passei na loja na hora de abrir e não voltei mais.
Tiago ouviu um silêncio seguido pelo barulho do telefone sendo tomado da mão de alguém.
— O que aconteceu com ele? Pressão alta de novo?
— De acordo com a dra. Celina, é um problema no coração. Os sintomas são parecidos com infarto, mas no caso dele não foi tão grave. Quero ficar aqui esperando ele acordar.
— Certo, eu passo lá na loja. Mantêm a gente informado. — O pai falou com preocupação, sendo logo interrompido pela voz da esposa — Filho, você comeu alguma coisa?
— Vou comprar alguma coisa aqui do lado do hospital. Me ajudem a orar por ele.
— Faremos isso. Qualquer coisa nos avise.
— Pode deixar. Como a Ana Luísa está? — Perguntou com carinho ao lembrar-se da garotinha que preenchia seus dias.
— Está bem, brincou bastante, almoçou e agora está tirando uma soneca. Ela falou muito hoje que vai aprender a voar, de onde ela tira essas idéias?
Os pensamentos de Tiago voaram até a outra noite no circo onde a filha havia implorado para Ana lhe ensinar a "voar".
— Coisas do circo mãe. — Sorriu lembrando de como a moça havia se abaixado para ficar na altura dela ao responder. Antes daquela cena ele poderia jurar que ela não tinha nenhum jeito para lidar com crianças, mas depois daquele momento não parecia mais ser o caso.
Despediu-se dos pais e caminhou em direção à lanchonete a procura de algo para comer pensando no dia em que havia descoberto que seria pai e como as coisas haviam mudado em sua vida desde então.
— Se Dona Marta visse isso, me crucificaria. — Riu baixinho ao sair da lanchonete apenas com uma latinha de refrigerante na mão, e tentou deixar de lado as lembranças do passado que vinham as vezes lhe atormentar.
Esvaziou rapidamente a latinha jogando-a no cesto de lixo na entrada do hospital, e passou pela recepção informando que entraria no quarto de José novamente.
Para sua surpresa, o encontrou sentado na cama, acordado.
— Ei velho, como o senhor está?
Um sorriso cansado e melancólico se abriu nos lábios de José, e Tiago sentou-se na cadeira ao lado da cama.
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Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...