Pela milésima vez, Ana olhou para a bolsa em cima da sua cama e lutou contra a vontade de desfazê-la e tirar uma por uma as roupas que estavam lá dentro.
Seria mais fácil, indolor e sem consequências se ela simplesmente decidisse que era ali no circo que deveria ficar.
Desviou o olhar para o violão deixado de lado no meio da sua bagunça e questionou-se, novamente, por que parecia que havia um peso em seu peito toda vez que pensava que havia aceitado o convite de Tiago. Um peso, e ao mesmo tempo, uma urgência.
Sentimentos contraditórios que só faziam com que ela tivesse medo e vontade de desistir daquela idéia que parecia cada vez mais estúpida.
— Você está pronta?
— Sinceramente? Não sei.
Observou Pietra revirar os olhos e dar seu característico suspiro de impaciência.
— Amiga, você está indo passar dois dias numa fazenda e não numa masmorra. Não sei por que tanto drama.
— As vezes, calada você me ajuda tanto — ironizou Ana desviando do caminho da amiga e olhando mais uma vez a bagunça do seu trailer que lhe trazia uma sensação que quase parecia aconchego.
— Você sabe que não estou errada, e é isso que importa...
Fingindo não ouvir as palavras da amiga, Ana pegou seus fones de ouvido e encaixou-os no celular colocando ambos no bolso, em seguida.
— Minha companhia na viagem, além do meu avô — falou com um sorriso irônico no rosto.
— Você pode conversar com outras pessoas. Um ônibus, geralmente, não tem apenas uma poltrona.
— Como se eu fosse a pessoa mais sociável do mundo.
— Mesmo não sendo, não vai morrer se tentar.
Resignada, Ana sorriu da careta da amiga e limpou as mãos suadas na bermuda jeans que vestia. Estava nervosa. Talvez mais nervosa do que ficava ao apresentar um número no circo, pela primeira vez.
— Você falou com o Mustafá?
— Tivemos uma discussão épica ontem a noite, não é possível que você não ouviu nada sobre ela.
— Bom, boatos nem sempre são verdadeiros — Pietra deu de ombros sentando numa cadeira em frente a penteadeira improvisada da amiga.
— Sabe que se fazer de desentendida não é seu forte né? — ironizou rindo da amiga logo em seguida — Ele jogou na minha cara todas as coisas erradas que já fiz, de acordo com ele. Falou alguns palavrões... Mas, nada que não estamos acostumados a lidar.
Ana retesou os ombros ao ver a amiga semicerrar os olhos numa clara demonstração de desconfiança.
— E como as coisas se resolveram?
— Ele sabe sobre meu avô, e mesmo que fale ao contrário também sabe que não pode ficar só com a Samila... — Falou distraída enquanto terminava de organizar algumas coisas — Além do mais, arrumar outra trapezista em cima da hora seria quase impossível, somos só nós duas por que nunca encontramos outra pessoa, e sua mãe não parece mais disposta a fazer trapézio novamente. Eu usei isso a meu favor.
Pietra arregalou os olhos e deixou-se levar por uma risada escandalosa.
— Você não ameaçou ele, né?
— Não exatamente. Mas talvez tenha insinuado que podia ficar na cidade se ele não me desse um final de semana de folga.
Pietra parou de gargalhar para balançar a cabeça e dirigir à amiga um olhar de descrença.
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Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...