Capítulo Seis

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Se tinha algo na rotina do circo que Ana não gostava era quando chegava seu fatídico dia de ajudar na "cozinha". Cozinhar era uma das poucas coisas que lhe ajudavam a espairecer quando ainda morava com a mãe, mas ali, numa cozinha totalmente improvisada, com pessoas que raramente se entendiam sobre o que comer uma vez que eram de várias partes do país, ela apenas encontrava uma razão a mais para se estressar.

Não entendia por que Mustafá não contratava pessoas para ficarem responsáveis apenas pela comida, como faziam nos circos "mais modernos", e o que amenizava sua descrença era que se as coisas estivessem muito corridas por lá, ele pelo menos se encarregava de comprar comida no restaurante mais próximo — o problema mesmo era a diferença entre o que os circenses entendiam como "corrido" e o que Mustafá parecia entender.

Ela não reclamava quando era chamada para ajudar, mas todo mundo sabia que ia totalmente contra sua vontade e talvez por isso fizessem questão de sempre chamá-la. Era a teoria que tentava explicar para Pietra que olhava para ela totalmente entediada.

— Eu já disse que essa sua teoria da conspiração não faz sentido. A escala é justa, você que resmunga demais.

Ana revirou os olhos com sarcasmo e se concentrou em lavar as mãos com o máximo de cuidado possível antes de ir em direção ao martírio que seria assumir mais um dia de escala.

— Que saudades daquela pilha de marmitex. Aquilo lá pra mim é a visão do paraíso.

Pietra gargalhou com vontade dirigindo à amiga um olhar de repreensão.

— Você não tem jeito, desisto de tentar colocar juízo nessa cabeça oca...

Enquanto caminhava para a cozinha, Ana soltou um beijo para a outra e curtiu o vento fresquinho que batia em seu rosto balançando os fios do cabelo castanho e liso que estava preso no topo da cabeça à espera da touca que logo seria colocada neles.

— Então hoje estamos juntas nessa? — Samila perguntou assim que ela atravessou a "porta", para alívio de Ana, sem o olhar de acusação que havia recebido na última discussão que tiveram.

— Parece que sim. Somos só nós?

Observou a colega acenar afirmativamente e começou a lavar os legumes que estavam sobre a bancada disposta a fazer o que a outra sugerisse, sorrindo aliviada em saber que não precisaria disputar o espaço com meia dúzias de pessoas.

Samila ao seu lado parecia alheia ao que ela fazia mas logo Ana percebeu seu olhar envergonhado quando ela virou-se prestes a lhe falar algo.

— Queria te pedir desculpas, não tinha que falar com você daquele jeito. Era só uma bebida, e eu sei que você sempre repõe. Não deveria ter falado o que falei.

Ana buscou oferecer seu melhor sorriso mostrando que não havia se ofendido pelas palavras proferidas por ela.

— Você não estava exatamente errada. Não deveria continuar pegando suas coisas sem avisar. — Balançou os ombros com indiferença e continuou seu trabalho com os legumes que nunca haviam parecido tão interessantes como naquela hora.

— A verdade é que eu não importo que você pegue as bebidas — olhou atentamente para Ana como se verificando que ela estivesse ouvindo cada palavra que dizia —, só me preocupo que isso vem acontecendo com muita frequência. Não é legal quando se torna um hábito.

Ana suspirou com um certo desconforto acenando positivamente para Samila mostrando que havia entendido, e continuou seu trabalho enquanto refletia mais uma vez no que sua colega de quarto havia lhe falado.

— Preparada para o dia de chef?

O semblante ansioso e sorridente de Samila conseguiu afastar o clima tenso que pairava pelo local e enquanto respondia afirmativamente, Ana aliviada viu o final da sua manhã ser preenchida de sabores, cheiros e sensações e teve um pequeno vislumbre dos bons sentimentos que tinha sempre que se arriscava na cozinha de sua mãe quando estava sozinha em casa.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora