Capítulo Dezesseis

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José havia finalmente saído do hospital e ao chegar em casa parou em frente a parede de fotos antigas e ficou olhando enquanto as lembranças faziam a dor no peito voltar. Mas dessa vez ele sabia que não era a doença mas os sentimentos que traziam uma dor física quase insuportável.

Vinha sendo assim há muitos anos, e enquanto lembrava da conversa que havia tido com sua neta no dia anterior à sua alta, perguntava-se quando ele se livraria da culpa que martelava seus sentidos.

"Neta. Ela é minha neta. É até difícil acreditar, Deus..." sussurrou olhando para uma foto em que ele e a esposa Eunice apareciam ao lado de dois adolescentes. Seu filho e sua filha.

— Tudo certo? — Tiago entrou na sala com uma mala pequena de José nas mãos e com liberdade levou-a até o quarto no final do corredor.

— Sim, as lembranças atormentam mas eu preciso aprender a lidar com elas.

A voz saiu num sussurro tão baixo que ele duvidou que o rapaz estivesse ouvindo mas surpreendeu-se quando o viu com os braços cruzados escorado no umbral da porta.

— Eu preciso ir, tem alguns dias que não tenho ido com frequência na loja e agora não dá mais pra adiar.

José sorriu admirando o rapaz a sua frente e lembrando de como havia sido importante para ele nos últimos anos.

— Vai lá meu filho, você já ajudou demais esse velho cá.

— Se precisar pode ligar, o senhor sabe...

Com um sorriso carinhoso José despediu-se do rapaz levando-o até a porta e observando a rua vazia.

— Deus vai cuidar de tudo, ele continua no controle — Tiago falou olhando para trás ao chegar no pequeno portão que ladeava a entrada.

— Eu sei meu filho, eu sei...

Quando Tiago partiu, ele entrou sentindo os passos vacilantes e olhou para a sala onde havia recebido Ana pela primeira vez. "Será que ela voltaria algum dia?"

— Ah meu Senhor, é tão difícil lidar com o passado outra vez. Como posso contar a ela tudo de errado eu fiz sem perder novamente a única parte que resta dessa família? O que faço meu Deus, o que eu faço? — Deixou-se cair de joelhos aos pés do sofá e sentiu as grossas lágrimas molharem o rosto enquanto a dor conhecida apertava-lhe o peito — Depois de tantos anos de espera, tantos anos sem ter uma notícia, eu preciso simplesmente aceitar que ele morreu e nunca mais vou vê-lo... O que eu faço com essa dor que tem sido meu espinho na carne por tanto tempo e hoje dói ainda mais? O que fazer Pai, eu não tenho direção, estou perdido. Me deixa ver uma luz...

Entregou-se naquela oração por alguns minutos esperando receber algum consolo, mas só encontrou o vazio. Naquele momento parecia que Deus estava em silêncio e a dor a cada minuto aumentava a intensidade fazendo-o sentir medo do que o futuro lhe aguardava.

Decidiu levantar-se sentindo o corpo cansado e as pernas cambaleantes, precisava deitar na sua cama e tentar recobrar as forças. Seu corpo já não tinha mais o vigor de um jovem e toda aquela "adrenalina" minava-lhe a energia.

O sono havia sido agitado de um jeito que há muito tempo ele não tivera, e ao acordar sentiu o corpo suado e o coração acelerado devido ao sonho que viera povoado pelos seus pesadelos do passado.

Levantou-se com passos trôpegos e olhando no relógio ao lado da cama viu que já era de madrugada e lembrou-se que não havia fechado a casa antes de ir dormir. Custou acreditar que havia dormido tanto.

Fechou as portas parando por um instante para observar a lua que estava cheia clareando o céu repleto de estrelas. Caminhou até a cozinha pegando um copo cheio de água e sentou-se no sofá da sala abrindo a Bíblia surrada que estava na mesinha de centro.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora