Capítulo Doze

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Enquanto olhava as casas em sua frente que ainda parecia ter saído de um sonho, Ana cogitava o que faria quando o avô saísse por aquela porta. Tinha chegado ali em boa parte por causa de uma discussão com Pietra no dia anterior. Sem preocupar-se em colocar um freio na boca, a amiga havia lhe dito tudo o que pensava sobre suas noites de bebedeira e os dias de ressaca.

Deixou-se levar pela voz dela em sua cabeça, antes de decidir o que faria em seguida:

Eu sou sua amiga, e não me importa se você quer ouvir ou não, mas eu vou dizer, porque sei que você precisa.

A voz tinha soado calma, porém com uma firmeza que fizera Ana encolher-se sem forças para protestar.

— Você já parou pra ver quão deprimente é a sua vida?

Mantivera a cabeça abaixada sem coragem de olhar nos olhos de Pietra. Recusou-se a responder, e a amiga continuou:

— Você está entrando em um caminho sem volta e não percebe. Machuca sabe, ver você se afundando nos ensaios o dia todo apenas para poder manter a mente ocupada — respirou fundo, como se buscando coragem de continuar o assunto delicado — Mas pior mesmo é ver você tentar afogar os sentimentos nas bebidas sem lembrar que é um pouco por causa delas que sua vida está como está. Você quer mesmo seguir esse caminho?

— E o que eu faço com tudo isso que tem aqui dentro? Ninguém nunca vai entender tudo que passa pela minha cabeça o tempo todo. Eu só quero poder esquecer... — As palavras saíram em gritos desconexos e ela sentiu que o corpo dolorido pela ressaca pedia uma trégua.

Por mais irônico ou "deprimente" fosse, naquele momento veio à sua cabeça que apenas mais uma bebida poderia livrá-la de todo aquele sentimento ruim.

— Não sei a resposta pra essa pergunta, mas sei que o álcool não é o melhor caminho. Sua mãe é a maior prova disso.

Olhou para Pietra sem tentar disfarçar a decepção pelo que ouvira. Sua mãe sempre fora um assunto delicado demais para que sentisse vontade para conversar, e Pietra sabia disso.

— Você não gosta de falar sobre ela, mas as vezes é necessário. E mais uma vez, se você quer tanto assim descobrir o passado da sua família, por que não vai atrás do seu avô? Vai esperar perder a chance com ele assim como perdeu com a sua avó?

Havia discutido com a amiga sem conseguir admitir que ela tinha razão em tudo que falara mas não conseguiu se livrar da sensação inquietante que Pietra estava certa. E foi isso que a fez sair do circo logo pela manhã em busca daquela casa que quanto mais tentava esquecer, mais permanecia em seus pensamentos.

Sentindo que não podia voltar mais atrás, timidamente, juntou uma mão à outra em um bater de palmas tão baixo que passaria despercebido a um ouvinte menos atento.

Esperou alguns segundos sem nenhuma resposta, e sentiu sua pouca confiança esvair-se no silêncio mas antes que tomasse alguma atitude, ouviu um barulho, como se fosse um baque surdo vindo de dentro da casa; algo parecia ter caído.

Aprumou os ouvidos para ouvir com atenção e captou um gemido baixo que lhe fez pensar que talvez não era questão de "o quê", mas de "quem" havia caído, e isso fez o coração bater acelerado, com medo do que poderia ter acontecido com o avô.

Não teve tempo de pensar no que faria quando as últimas palavras da amiga ressoaram em seus ouvidos; a adrenalina que corria em seu corpo fez com que passasse rapidamente pelo portão e corresse em direção à porta, batendo nela desesperadamente.

— Pode entrar, seja lá quem for. — respondeu a voz de José de dentro da casa, com uma resignação de quem parecia saber que não havia uma alternativa melhor.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora