Já passava de dez horas da manhã quando Ana acordou; a cabeça latejava, o corpo doía e ela se esforçou para lembrar o que tinha acontecido na noite anterior.
"Ressaca! Que ótimo..." Resmungou enquanto se lembrava da quantidade de vodka que havia bebido e tentava juntar todas as peças em seu devido lugar para entender o que realmente havia acontecido.
Envolvida pela dor, podia facilmente prometer que não beberia mais nem uma gota de álcool, mas ela já havia se cansado de prometer aquilo para si mesma e sempre quebrar a promessa, já que em momentos como os da noite anterior sempre se via procurando conforto na bebida.
Deitada enquanto a mente clareava, olhando para o teto amarronzado do velho trailer dos pais de Pietra, lembrou-se vagamente de ter encontrado alguém em sua exploração repentina pela cidade mas não tinha certeza se era real ou apenas fruto da sua imaginação.
Levantou-se rapidamente sem preocupar com qualquer outra coisa, saindo a procura da amiga e por sorte a encontrou em frente ao trailer conversando com os pais. Precisava saber como havia chegado ali, já que para ela esse era o maior mistério da noite.
Pietra a recebeu com um sorriso sarcástico no rosto.
— Bela adormecida?
Ana ignorou a ironia da amiga indo direto ao que a incomodava:
— Como eu cheguei aqui?
Fazendo pouco caso da curiosidade dela, Pietra olhou para a mãe sorrindo com cumplicidade e se limitou a balançar os ombros.
— Como eu cheguei aqui, Pietra?
O sorriso sutil de Pietra logo se transformou em uma gargalhada amigável e ela respondeu calmamente:
— Aparentemente você fez um novo amigo na cidade. Lindo por sinal... Não vai me dizer que não lembra dele?
Ana corou imediatamente percebendo que não havia sonhado: o rapaz dos olhos cor de oceano era real, tinha lhe salvado de ficar rodando sem rumo pela cidade durante a noite toda e como agradecimento havia recebido uma poça de vômito em seus pés. "É, não tem mesmo como as coisas piorarem mais..."
— Ok, vou lavar o rosto pelo menos. — abaixou os olhos tentando esconder o embaraço. — Obrigado por terem deixado que eu dormisse aqui.
Saiu sem esperar por uma resposta foi em direção ao seu trailer com um plano em mente, iria tomar um banho e depois voltaria para conversar com Pietra e tentar descobrir como aquele desconhecido tinha deixado ela ali. Mas assim que saiu do banho ao invés de sentir alívio em seu corpo, sentiu-o ainda mais pesado do que quando havia acordado e praguejando-se mais uma vez por ter bebido tanto decidiu deitar um pouco e ficar sozinha com seus pensamentos. Seu corpo reclamava ao lembrar que mais tarde não escaparia de outra sessão de ensaios mas sabia que naquele momento não era capaz de fazer nenhum esforço físico. Estava acabada.
A visão do estranho da noite anterior logo lhe saltou às memórias; ela se lembrava da sensação de conforto quando olhou dentro dos seus olhos, e se perguntou se havia alguma coisa diferente nele. Poderia parecer estranho para qualquer um, mas ela se lembrava bem do brilho nos olhos dele que estranhamente a confortou.
Teve vontade de sentir aquilo outra vez e decidiu que precisava encontrar uma forma de agradecê-lo por tê-la salvado. Mas como o encontraria se não sabia ao menos o seu nome e nem se teria coragem de olhar para ele depois que a tinha visto naquele estado?
Sentindo uma súbita saudades dos pais levantou-se procurando debaixo da cama improvisada por algo que a muito tempo não olhava. Encontrou o que queria e se levantou fazendo um esforço grande para não desmoronar com a quantidade de lembranças que aquela pequena caixa lhe provocava. Era uma simples caixinha de madeira encapada por um tecido que exibia várias tonalidades de cor de rosa e no interior dela estavam as cartas do pai e uma caixinha de joia com o minúsculo anel que ele lhe dera em seu oitavo aniversário, o último que passaram juntos.
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Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...