Capítulo Vinte e Um

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A tarde se arrastava lentamente e Ana bocejou pela milésima vez enquanto encarava o teto do quarto sem a mínima ideia do que iria fazer.

O avô estava lhe dando espaço para lidar com as novas informações mas ela se dividia entre a vontade de correr até ele e pedir para esquecerem tudo aquilo, ou fazer exatamente o contrário e deixar que aquele sentimento ruim que tinha lá no fundo aflorasse fazendo ser impossível que continuassem com aquele relacionamento — aquele início de um relacionamento, pelo menos.

No fundo ela queria tentar entender as atitudes que o avô havia tomado. Afinal, ele tinha errado; mas todo mundo erra, não? Mas sempre que cogitava fazer isso lembrava-se do seu pai e se questionava se perdoar o avô não seria traí-lo.

Bufou descontente sem saber até onde tudo aquilo a iria levar e sentiu os olhos arderem ao lembrar-se do dia em que o avô havia passado mal. E se ela o perdesse também como já tinha perdido todo mundo?

Entediada decidiu que havia passado da hora de sair do seu casulo e caminhou em passos lentos até a sala encontrando o avô concentrado enquanto lia sua bíblia.

— Você também vai na igreja como o Tiago?

O avô sobressaltou-se pois não havia previsto a entrada da neta, e ajeitando a bíblia em seu colo bateu a mão no sofá convidando-a a sentar-se ao seu lado.

— Vou sim, minha filha. Foi lá que eu aprendi a ser um novo homem.

Ana resistiu ao ímpeto de revirar os olhos ante àquela expressão que aos seus ouvidos soava mais como uma tentativa de apagar os erros que ele havia cometido.

— Isso quer dizer que não é mais culpado pelo que fez com eles? — Questionou incomodada apontando para a parede com fotos da família.

— Eu nunca disse isso. Carrego a culpa e as consequências do meus atos até hoje, mas Deus já lançou meus pecados no mar do esquecimento. Quando eu o encontrei mudei minhas atitudes e agora sou uma nova pessoa. Não posso agir mais como o velho homem.

— Mas e eles? Eles não podem voltar mais, do que adianta ser uma nova pessoa se não pode apagar o passado?

Ouviu o avô suspirar cansado enquanto retirava os óculos de leitura e colocava na mesinha de centro para logo depois a encarar com intensidade.

— Meu passado foi apagado...

Ana olhou para ele, incrédula, prestes a questionar como ele tinha coragem para falar algo tão absurdo; mas o avô a interrompeu continuando a se explicar com o olhar carregado de sentimentos.

— Na Bíblia fala que quando nos arrependemos de verdade Deus nos perdoa e lança nossos pecados no mar do esquecimento. Ele não se lembra deles mais. Ele foi apagado porque não tem mais peso para ser usado contra mim como um julgamento. Deus já me perdoou pelos meus erros. — Fez uma pausa olhando para a neta antes de continuar — Mas Deus não nos livra das consequências do nosso pecado aqui na terra. Eu errei com meus filhos, não agi como um homem sábio agiria, a minha consequência foi ver minha família ser destruída. Deus me perdoou e não posso mais ir para o inferno pelos erros que cometi, mas aqui na terra, ainda hoje eu arco com as consequências deles.

Ana pensou por alguns segundos nas palavras do avô mas não conseguia entender ou deixar convencer-se do que havia ouvido.

— Quer dizer então que minha tia e meu primo morreram, eu nunca tive uma família normal, nós sofremos pelo que você fez, e enquanto isso, você lia esse livro e se convencia que não tinha mais motivos pra se sentir culpado?

O avô olhou para ela com tristeza no olhar mas continuou em silêncio ouvindo-a despejar tudo que estava entalado na garganta.

— O que nós valemos para esse Deus? O que valemos pra você?

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora