Capítulo Dezoito

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— Ana, acorda. Tá tudo bem…

Ana ouviu a voz soando longe e esforçou-se para abrir os olhos, assustada. Percebeu que estava deitada na cama e o avô a olhava com preocupação com as mãos segurando seus ombros como se tivessem sacudindo-a para fazê-la acordar.

— Você está bem? Foi um pesadelo…

Ela engoliu em seco e passou as mãos pelos cabelos para colocá-los no lugar percebendo que como sempre a roupa estava encharcada de suor.

— Quer conversar sobre isso? — O avô falou com compaixão enquanto sentava na cama.

Olhou para ele sem saber o que dizer e deixou que as imagens do pesadelo voltassem aos seus pensamentos enquanto algumas lágrimas insistiam em cair.

Sentiu um arrepio em seus braços e sentou-se escorando na parede enquanto abraçava o corpo numa tentativa de se proteger.

De quê exatamente, ela não sabia.

Odiava mostrar-se tão frágil, mas naquele momento não tinha forças para fingir que algo não desmoronava por dentro.

— Posso fazer um chá pra você, talvez te ajude a se acalmar.  — A voz do avô soava carinhosa e receosa na mesma medida, e ela apenas balançou a cabeça em uma afirmação.

Observou ele dirigir-lhe um último olhar preocupado antes de sair pela porta, e soltou um suspiro dolorido enquanto lutava para esquecer a imagem dos seus pais caídos no chão.

— Quando isso vai sair daqui? — Sussurrou apertando a cabeça com as mãos numa tentativa inútil de livrar-se das lembranças.

Passado alguns minutos ouviu o barulho da chaleira que vinha da cozinha e ficou em silêncio esperando o avô chegar.

— Aqui minha filha. Bebe um pouco.

Sorveu o conteúdo da caneca com sofreguidão e sentiu o líquido adocicado descer pela sua garganta com dificuldade. Parecia que um nó havia se formado ali.

— Isso acontece com frequência?

— Quase todas as noites — respondeu com cuidado evitando olhar nos olhos que a encaravam com compaixão.

— Quer me contar sobre isso?

Ao perceber novamente o tom de preocupação que o avô usava resolveu deixar de lado por um momento aquela barreira que havia erguido ao redor de si, e sem pensar muito começou a falar:

— Foi num acidente — dirigiu ao avô um olhar dolorido e significativo antes de continuar —, eu tinha oito anos e acho que estávamos indo no supermercado, não tenho certeza.

Respirou fundo para tentar controlar a respiração acelerada, e se aconchegou mais perto da parede enquanto deixava que as palavras saíssem sem controle.

— Minha mãe tinha tirado a carteira de motorista tinha poucos dias e era ela quem estava dirigindo. Um motoqueiro bêbado furou o pare e bateu na porta do passageiro. Ele morreu na hora… — Ana se entregou novamente às lágrimas sendo acompanhada pelo avô que chorava em silêncio.

— É com isso que eu sonho quase todas as noites. Eles ficam lá, caídos no chão enquanto eu sou levada para longe por um homem estranho. É tão agoniante…  — Abraçou novamente seu próprio corpo em uma tentativa de autopreservação até que sentiu os braços do avô rodeando-a como convite para um abraço.

— Já passou. É só um pesadelo, não é real.

Ana continuou imóvel por uns instantes enquanto sentia os braços do avô se apertarem ao seu redor. A cabeça latejava pelo efeito do pesadelo e do choro incontido, e lutando contra a vontade de afastar-se para fingir que não precisava de apoio retribuiu o abraço do avô com vontade. As vezes ainda era difícil acreditar que tinha alguém disposto a ajudá-la quando caísse.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora