Capítulo Oito

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Após terem tomado o prometido sorvete, Ana despediu-se de Rick e voltou para o circo imersa em pensamentos sobre a sua manhã. 

Pietra havia passado a tarde com os pais em algum lugar que Ana não fazia a mínima ideia, então tudo que teve para fazer durante todo o dia foi organizar a bagunça do seu trailer, e ficar deitada com o violão por perto dedilhando as músicas aleatórias que lhe vinham à cabeça. 

Quase todas elas lhe ligavam ao seu pai, e ela repassou uma, duas, três vezes — até perder a conta —, o encontro que tivera com seu avô.

Também não tentou impedir que seus pensamentos voassem até Tiago, tentando decifrar o que exatamente ele fazia naquela casa e se eles de alguma forma tinham algum parentesco. 

Quando Pietra finalmente chegou Ana deixou subtendido que queria conversar e elas fizeram o que mais gostavam de fazer nos fins de tarde quando as "obrigações" permitiam: subir no trailer e ficar observando o céu mudar de cor com o pôr do sol.

— Me explica mais uma vez por que você não chamou ele pra conversar e disse a verdade? — Pietra quebrou o silêncio sem tentar esconder a dificuldade que tinha em entender a amiga.

Revirando os olhos com irritação por ter que repetir tudo pela milésima vez, Ana respondeu:

— Eu não sei, simplesmente não sei. Estava tão apavorada de ver ele bem na minha frente — respirou fundo observando os poucos carros que passavam pela rua em frente e continuou —, eu apenas senti que não era o momento certo para contar; ele nunca me viu antes, eu não podia simplesmente despejar uma verdade assim na frente dele... Também tive medo de no final das contas eu sair machucada.

Remexeu-se ajeitando os cobertores onde estavam sentadas  e como Pietra continuou em silêncio olhou para a amiga e percebeu que ela encarava o céu com fascinação.

— E por que ele te machucaria? — Pietra perguntou suavemente enquanto se virava de lado para encará-la — Aliás, como ele faria isso?

Vencendo o impulso de responder com aspereza, Ana virou-se novamente para o céu que pouco a pouco perdia suas nuances alaranjadas para ser preenchido pela escuridão. Deitou-se sobre o cobertor para poder aproveitar melhor a vista enquanto tentava decifrar do que tinha mais medo.

— Você tem medo que ele não acredite em você, ou é medo do contrário?

Olhou para a amiga que dirigia-lhe um olhar de genuína preocupação e carinho, e arqueou a sobrancelha em descrédito.

— E por que eu teria medo disso?

Ana esperou a amiga que a observava com os olhos semicerrados, como se tentasse decifrar o que se passava na sua cabeça.

— Eu acho que você tem medo do que pode descobrir. Tudo bem que é horrível ficar no escuro, mas você tem medo disso ser melhor do que se machucar com a verdade.

Sem saber o que responder, continuou do mesmo jeito que estava recusando-se a olhar nos olhos de Pietra. Não achava justo que a amiga soubesse exatamente o que se passava no seu interior, quando nem ela mesma se entendia. 

Enquanto permanecia calada, perdida em seus pensamentos, Pietra continuou:

— Talvez você também tem medo de estar traindo seu pai, indo futricar uma história que as vezes não te diz respeito — soltou essas palavras sem pena do que elas poderiam causar na amiga; talvez no fundo, achando que era justamente disso que ela precisava.

As palavras de Pietra foram recebidas com uma força bruta e mais uma vez, Ana sentiu seu coração bater acelerado e uma dor conhecida ameaçou retornar, mas apenas balançou a cabeça em desalento, tentando afastar aqueles sentimentos ruins.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora