Após terem tomado o prometido sorvete, Ana despediu-se de Rick e voltou para o circo imersa em pensamentos sobre a sua manhã.
Pietra havia passado a tarde com os pais em algum lugar que Ana não fazia a mínima ideia, então tudo que teve para fazer durante todo o dia foi organizar a bagunça do seu trailer, e ficar deitada com o violão por perto dedilhando as músicas aleatórias que lhe vinham à cabeça.
Quase todas elas lhe ligavam ao seu pai, e ela repassou uma, duas, três vezes — até perder a conta —, o encontro que tivera com seu avô.
Também não tentou impedir que seus pensamentos voassem até Tiago, tentando decifrar o que exatamente ele fazia naquela casa e se eles de alguma forma tinham algum parentesco.
Quando Pietra finalmente chegou Ana deixou subtendido que queria conversar e elas fizeram o que mais gostavam de fazer nos fins de tarde quando as "obrigações" permitiam: subir no trailer e ficar observando o céu mudar de cor com o pôr do sol.
— Me explica mais uma vez por que você não chamou ele pra conversar e disse a verdade? — Pietra quebrou o silêncio sem tentar esconder a dificuldade que tinha em entender a amiga.
Revirando os olhos com irritação por ter que repetir tudo pela milésima vez, Ana respondeu:
— Eu não sei, simplesmente não sei. Estava tão apavorada de ver ele bem na minha frente — respirou fundo observando os poucos carros que passavam pela rua em frente e continuou —, eu apenas senti que não era o momento certo para contar; ele nunca me viu antes, eu não podia simplesmente despejar uma verdade assim na frente dele... Também tive medo de no final das contas eu sair machucada.
Remexeu-se ajeitando os cobertores onde estavam sentadas e como Pietra continuou em silêncio olhou para a amiga e percebeu que ela encarava o céu com fascinação.
— E por que ele te machucaria? — Pietra perguntou suavemente enquanto se virava de lado para encará-la — Aliás, como ele faria isso?
Vencendo o impulso de responder com aspereza, Ana virou-se novamente para o céu que pouco a pouco perdia suas nuances alaranjadas para ser preenchido pela escuridão. Deitou-se sobre o cobertor para poder aproveitar melhor a vista enquanto tentava decifrar do que tinha mais medo.
— Você tem medo que ele não acredite em você, ou é medo do contrário?
Olhou para a amiga que dirigia-lhe um olhar de genuína preocupação e carinho, e arqueou a sobrancelha em descrédito.
— E por que eu teria medo disso?
Ana esperou a amiga que a observava com os olhos semicerrados, como se tentasse decifrar o que se passava na sua cabeça.
— Eu acho que você tem medo do que pode descobrir. Tudo bem que é horrível ficar no escuro, mas você tem medo disso ser melhor do que se machucar com a verdade.
Sem saber o que responder, continuou do mesmo jeito que estava recusando-se a olhar nos olhos de Pietra. Não achava justo que a amiga soubesse exatamente o que se passava no seu interior, quando nem ela mesma se entendia.
Enquanto permanecia calada, perdida em seus pensamentos, Pietra continuou:
— Talvez você também tem medo de estar traindo seu pai, indo futricar uma história que as vezes não te diz respeito — soltou essas palavras sem pena do que elas poderiam causar na amiga; talvez no fundo, achando que era justamente disso que ela precisava.
As palavras de Pietra foram recebidas com uma força bruta e mais uma vez, Ana sentiu seu coração bater acelerado e uma dor conhecida ameaçou retornar, mas apenas balançou a cabeça em desalento, tentando afastar aqueles sentimentos ruins.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...