Capítulo Um

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Ana olhou ao redor piscando várias vezes tentando lembrar onde estava.

Procurou a bagunça do seu próprio trailer e não encontrando percebeu que havia dormido mais uma vez junto com a amiga. Ali era tudo arrumado e convidativo, uma parede cheia de retratos seguia uma linha do tempo contínua que começava com Pietra ainda bebê, pois curiosamente os pais da amiga não tinham uma única foto juntos tirada antes do nascimento da filha; e uma pequena penteadeira de modelo um tanto retrô exibia uma infinidade de cosméticos e quinquilharias — lembranças de cada uma das cidades que haviam passado e deixado pra trás.

Suspirou cansada tentando levantar e preparar-se para mais um dia cansativo. Estavam em uma nova cidade há algumas semanas, e como sempre era tudo novo. A vida no circo parecia mágica quando assistia a tudo do lado de lá do picadeiro sentada confortavelmente na arquibancada, mas a realidade quando entrou lá dentro às vezes se mostrava bem mais dura e mesquinha, não que quisesse voltar atrás...

Decidida levantou-se de uma vez sacudindo a cabeça para afastar os pensamentos ingratos, o circo tinha sido a escapatória perfeita da sua antiga vida e de certa forma não tinha muito do que reclamar.

— Ana, Ana, vamos. Mustafá está nos chamando urgente. — Pietra a puxava pela mão bufando exageradamente.

Era a única amiga que tinha ali dentro e que podia considerar verdadeira em toda sua vida.

— O que aconteceu? — As sobrancelhas franzidas em um questionamento enquanto acomodava sua pequena mão dentro do aperto que a amiga exercia.

— Estamos indo lá pra descobrir. Anda logo, chata.

Resignada, Ana a seguiu sem mais reclamar. Um arrepio passou pelos seus braços fazendo-a crer ser um prenúncio que logo a vida mudaria para sempre, e pelo menos dessa vez, ela torcia que fosse para melhor...

As reuniões com os artistas do circo eram sempre na tenda principal, pois eles eram muitos, barulhentos e precisavam de bastante espaço. Chegando lá, percebeu que como ela todos estavam apreensivos sobre o motivo da “chamada” repentina.

Não podia ser uma nova cidade podia? Eles estavam em Formosa a apenas duas semanas o que geralmente indicava que ainda não era hora de partir, mesmo sabendo que de Mustafá tudo era de se esperar.

Sentada em uma cadeira mais ao fundo, observou tudo ao seu redor absorvendo as inúmeras cores da tenda onde se encontravam; quase conseguia enxergar um pouco da beleza que a cativava na infância, e enquanto esperava o tão aguardado anúncio que Mustafá faria, deixou-se perder entre as inúmeras lembranças de como era a vida quando ainda via o circo como a sua única salvação.

— Já que estão todos aqui acho que já posso falar o que preciso. — Mustafá como sempre, era direto e chegava logo ao ponto. Como dono do circo —  e pelo que parecia pensar, também das pessoas que trabalhavam pra ele — , sempre fora considerado intragável por ser duro e cruel, tanto em palavras quanto em ações.

— Quero que comecem imediatamente a arrumar tudo. Ainda hoje estamos indo para outra cidade e não quero atraso. Entenderam?

Todos entreolharam-se surpresos pela mudança repentina, e um pouco curiosos sobre onde iriam.

— Podemos saber o nome da próxima cidade? — ecoou a voz de Ariadne, a contorcionista.

— Monte Carlo. — Mustafá disse, já virando as costas e saindo dali, deixando os circenses eufóricos e uma Ana boquiaberta e paralisada.

Estava tão em choque que a reunião havia acabado há uns cinco minutos, e ela continuava exatamente no mesmo lugar sem conseguir acreditar no que acabara de ouvir. Pietra, impaciente, tentava chamar atenção da amiga, em vão.

Descanso em Seu OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora