O coração da jovem batia acelerado enquanto se demorava a analisar a casa sem nenhum receio. "Será que eles ainda moram aqui?" era tudo o que passava pela cabeça dela naquele momento.
A casa era pequena mas carregava um ar convidativo que Ana quase não conseguia resistir. As paredes completamente brancas, as janelas azuis, várias flores que ladeavam a entrada e o portão baixo que separava a rua quase deserta daquele pequeno "paraíso" pareciam implorar para que ela entrasse. Mas não teve coragem, apenas ficou ali parada observando a casa que parecia ter saído de um sonho.
Olhando de perto quase podia ver o pai ainda criança correndo no meio de todas aquelas flores enquanto recebia bronca dos pais; os olhos ameaçaram ser tomados pelas lágrimas e ela piscou tentando evitar que desmoronasse bem ali. Olhando de relance, viu que a rua não estava tão deserta quanto havia pensado já que algumas pessoas das casas vizinhas lhe observava. O rosto corou de vergonha quando ocorreu-lhe que poderia ser estranho para os vizinhos ver uma moça encarando o lugar com tanta intensidade, então lutando contra seus pensamentos que a chamavam mais uma vez de covarde deu meia volta sem olhar para trás. Ainda não estava preparada para aquilo, queria só um pouco mais de tempo.
Continuou andando por instinto sempre em frente sem saber se queria chegar logo ao circo, mas quando passou por um parquinho que àquela hora estava quase vazio decidiu se sentar no balanço em silêncio para tentar colocar seus pensamentos no lugar.
A dor que corria pelo seu corpo tornava quase insuportável continuar sentada naquele balanço minúsculo que com toda certeza não havia sido feito para uma pessoa do seu tamanho, mas ela não se importou. Não era como se não estivesse acostumada a lidar com a dor, os tombos haviam sido costumeiros quando estava no "treinamento", e as ressacas que eram cada vez mais frequentes sempre lhe premiavam com aquela sensação angustiante de que o corpo estava sendo perfurado por milhares agulhas.
Um barulho baixinho porém insistente, fez com que ela abandonasse seus devaneios e apurasse os ouvidos para poder reconhecer o que estava ouvindo. Era um som baixinho e fino que logo se misturou a soluços também baixos e ela percebeu que ali por perto alguém estava aos prantos. Levantou-se em um impulso indo em direção ao barulho que ficava mais alto a medida que se aproximava e percebeu que quem quer que fosse estava escondido atrás do enorme escorregador que ficava no centro do parquinho.
Quando chegou ao lado do escorregador viu que era um menino. Sentado no chão, ele abraçava as pernas que estavam de encontro ao seu peito, com o rosto enterrado entre os joelhos; o corpinho frágil era sacudido por soluços que pouco a pouco ficavam mais fortes. Ana nunca havia sido muito boa em lidar com crianças; elas eram teimosas, barulhentas e chamavam atenção por onde passavam, mas contrariando toda sua lógica sentiu que não poderia simplesmente virar as costas e deixar que aquele serzinho enfrentasse o que quer que fosse sozinho.
Sem saber muito o que fazer sentou-se ao lado da criança e ficou lá ouvindo ela chorar. Resolveu não falar ou fazer nada, apenas ficou esperando que as lágrimas acabassem e torcendo no fundo para que aquilo fosse suficiente para o menino.
Passado alguns minutos, quando os soluços diminuíram, o diminuto rapazinho limpou o rosto com a camiseta e olhou bravo para a moça ao seu lado e ela se deu conta que era o menino que a tinha cumprimentado e corrido, pouco antes de chegar em frente da casa de seus avós. O olhar agora nem um pouco sorridente ou curioso parecia ultrajado por ter sido pego naquele momento de fraqueza e ela quase começou a rir quando percebeu que ele tentava erguer o queixo e falar como se fosse um homem — um pequeno homem no caso.
— Eu não estava chorando.
Segurando o riso para evitar que ele ficasse furioso de verdade e acenou em concordância.
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Descanso em Seu Olhar
SpiritualAs cores sempre tiveram um fascínio sobre ela e o circo conseguia reunir todas elas em um espetáculo que lhe tirava o fôlego na infância, e lhe apresentava novas oportunidades na juventude. Ana sabia bem o que queria: estar o mais longe possível de...