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A casa de Noah continua silenciosa, como todas as outras vezes em que vim aqui, e não foram muitas.

Quando eu disse que estava a caminho ele me avisou que deixaria a porta aberta e que quando eu chegasse a trancasse. E foi o que eu fiz, logo subindo as escadas e indo diretamente até a porta do seu quarto.

Girei a maçaneta e a abri, e o que encontrei me deixou de queixo caído e paralisado na entrada de seu quarto.

ㅡ Ah, você chegou. Oi.ㅡ ouvi ele dizer para mim, me fitando ao longe com uma expressão de poucos amigos.

ㅡ Ei...ㅡ sussurrei, num cumprimento, meio atordoado ainda.

Me forçei a entrar de vez no seu quarto e fechar a porta. Caminhei devagar até parar ao seu lado, ele estava sentado no chão, ainda de pijama as quatro da tarde, com os cabelos todo bagunçado, como sempre.

Me juntei a ele, me sentando em posição de índio ao seu lado.

ㅡ Por que...tudo isso?ㅡ indaguei, me referindo ao estado de seu quarto.

Não que ele estivesse sujo ou bagunçado. Mas sim, repleto de pequenos origamis por todo o canto. Alguns pendurados no teto, outros jogados no chão, também haviam em cima da mesa e da sua cama. Sério, seu quarto foi completamente consumido por pequenos origamis coloridos.

ㅡ Tudo isso o quê?

Franzi o cenho e desviei minha atenção dos origamis até ele. O mesmo nem me olhava para me responder, continuava a fitar suas mãos, essas que se ocupavam em fazer mais desses troçinhos, sem parar.

ㅡ Isso tudo, Noah. Tantos origamis assim. E por que em formato de baleias?

O vi enrijecer o corpo e travar as mãos. Ele finalmente direcionou seu olhar até o meu, e sua feição estava fechada, séria, inexpressiva.

ㅡ Não tem um por que. Eu só faço quando o dia está perto.

Foi então que o vi arregalar minimamente os olhos e morder os lábios. Ele voltou a abaixar a cabeça e fitar suas mãos. Foi como se ele não quisesse ter dito aquilo, como se tivesse saído sem querer e agora estava arrependido do que fez.

Eu só faço quando o dia está perto.

O dia. Está perto. Seus pais.

Abri a boca em entendimento e voltei a fechá-la, sem coragem de dizer qualquer coisa agora.

ㅡ Eu não devia ter dito isso.

ㅡ Mas disse.ㅡ rebati.

ㅡ Sim, mas não devia!

ㅡ Isso significa que você confia em mim.ㅡ o cortei, tão surpreso quanto ele. O vi voltar a me encarar, mordendo o interior da bochecha, nervoso que só.

Então o silêncio. Eu não ousei a dizer mais nada, com receio dele se irritar mais e sei lá, me expulsar daqui. Então permaneci quieto, o admirando em silêncio o mesmo fazer mais outro origami de baleia da cor azul.

Minutos se passaram e o silêncio permaneceu. Fiquei entreolhando ele criando os troçinhos e os restantes que já estavam pendurados no teto, balançando por conta do ar do quarto.

ㅡ Meu pai costumava fazer comigo.ㅡ foi quando ouvi sua voz soando baixinha e receosa que voltei meu olhar ao seu. Agora ele estava parado, ainda de cabeça baixa, mas sem dobrar mais qualquer outro origami.ㅡ Foi ele quem me ensinou a fazer eles, quando eu era pequeno.

Eu apenas o fitava, em silêncio, mas atento ao o que ele dizia.

ㅡ Costumávamos fazer de tudo. Cachorros, gatos, coelhos e essas coisas. Era divertido.ㅡ ouvi ele soltar uma risada fraca, meio triste e melancólica.ㅡ Mas teve uma época em que ele parou de fazer comigo. Foi quando minha mãe morreu.ㅡ ele levantou a cabeça e me olhou nos olhos.ㅡ Ela teve leucemia.ㅡ por fim disse.

Eu o encarava completamente devastado, mas com certeza não mais que ele. Noah me olhava no fundo dos olhos, e eu juro que conseguia ver toda a sua dor e seu sofrimento só nesse olhar.

Ouvi seu suspiro, então, voltou a abaixar a cabeça.

ㅡ Eu comecei a criar o costume de fazer esses origamis quando me sentia muito triste ou me lembrava deles. Quando sinto saudades, eu faço isso. É como se fosse o meu escape, sabe?ㅡ foi automático quando eu arrastei minha mão da minha perna até a sua coxa, então eu deslizei meus dedos pelo pano da sua calça e, quando encontrei suas mãos, agarrei elas e comecei a fazer carinho no seu pulso e na ponta de seus dedos.

Ele não pareceu desgostar, pelo contrário, ouvi ele suspirar em conforto e aceitar o meu toque.ㅡ Mamãe gostava bastante de gatinhos. Ela tinha uma gata chamada Kia. Então, quando eu estou com saudades dela ou, quando a data da sua...ㅡ ele travou, soltando um soluço baixo. Respirou fundo e retomou.ㅡ ...da sua morte está perto, eu faço origamis de gatinhos. A mesma coisa em relação ao meu pai.

ㅡ Ele gostava de baleias?ㅡ ousei perguntar baixinho, com medo da minha pergunta ter soado arrogante ou invasiva demais. Espero não ter passado dos limites.

Ele soltou uma risada meio fanha, por conta das poucas lágrimas que desciam de seus olhos.

ㅡ Não. Quero dizer, não que eu saiba. É só que, hm, é algo relacionado a água, sabe?ㅡ ele me olhou, e eu tentei não demonstrar a confusão na minha cara por não ter entendido, o que só o fez rir mais.ㅡ Bem, você não entenderia de qualquer jeito. Mas, só pra deixar claro, baleias é sobre ele.ㅡ assenti, ainda sem entender nada, mas assenti mesmo assim.ㅡ Enfim, como você pode ver, muitas baleias pelo o meu quarto, não é? Está perto o dia dele...ㅡ ele foi abaixando o tom de voz, então se calou por completo. Minha mão já estava quase que entrelaçada na sua, nossos dedos se roscando uns nos outros. Eu abaixei o olhar até nossas mãos grudadas e ousei novamente juntá-las mais, esticando meus dedos e finalmente entrelaçando eles nos seus. Noah enrijeceu a sua mão, e eu já estava pronto para ouvi-lo me xingar de tudo que é coisa, mas logo depois ele relaxou os dedos e entrelaçou de volta nos meus lentamente.

Meu coração está batendo tão rápido e forte que sinto que já já sai pulando pra fora do meu peito.

ㅡ Ei...ㅡ sussurrei. Ele levantou a cabeça e me encarou intensamente.ㅡ Eu to aqui, ok? Estou com você e não vou sair daqui.ㅡ lhe dei um breve sorriso, acariciando sua mão com a minha, sentindo seus dedinhos quentinhos contra a minha pele, e é muito bom.

Ele me entregou um sorriso fraco.

E meu coração só fez acelerar mais ainda com isso.

𝐓𝐡𝐞 𝐛𝐨𝐲 𝐨𝐧 𝐭𝐡𝐞 𝐛𝐫𝐢𝐝𝐠𝐞 ⁿᵒˢʰ [PAUSADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora