Para mim, a festa havia acabado antes mesmo de começar. A música irritante que acompanhava as histórias imensamente mentirosas de Njord sobre suas aventuras em Vanaheim era como uma tortura. Fiz uma careta quando ele arrotou feito um brutamontes, rindo orgulhoso da própria porquice logo em seguida. Seu comportamento, no início, lembrava-me o de Thor antes da coroação. Mas quanto mais tempo passava na sua presença, mais tinha certeza de que o vanir era trocentas vezes pior do que o deus do trovão um dia foi.
Troquei um olhar com Thor, que estava sentado um pouco distante de mim. Era hora do jantar finalmente, o que significava que poderia inventar uma desculpa qualquer para me retirar logo em seguida. O loiro acenava e ria com o que o vanir lhe dizia, mas via em seus olhos que ele não estava prestando atenção em suas palavras. Suas írises oceânicas voltavam a me fitar eventualmente, como se checando se eu estava bem ou não.
Sentia-me sufocado pelo afeto de Thor, às vezes. Ele era superprotetor e super qualquer adjetivo que envolvesse um cuidado exacerbado. Se nosso caso não fosse um segredo receio que não daríamos certo como um casal, no sentido mais abrangente da palavra; nossas naturezas eram distintas demais. Enquanto eu era reservado, Thor era expansivo. Éramos opostos perfeitos, embora não encaixássemos na maioria do tempo — só em certas posições na cama, talvez.
E ainda assim, apesar de todas as ressalvas e soluços presentes em nossa relação, eu me via completamente aprisionado pela essência de Thor. O rubor em minhas bochechas nunca as deixava diante de seus elogios ou de suas demonstrações de carinho. Suspeitava que eram esses os prazeres do romantismo que cogitei na primeira vez que fizemos amor, os quais nunca antes havia experimentado. Meu coração de gelo vivia angustiado com o peso daquele sentimento, contudo. A ambivalência latente que perpassava o que eu sentia por meu irmão adotivo me deixava louco.
— Proponho um brinde. — Njord bradou, tirando-me dos meus devaneios. Ele ergueu seu copo e abriu um sorriso gigante, apontando para Thor. — Um brinde ao mais novo rei da cidade dourada, sei que ela está em boas mãos! — todos na mesa brindaram, obrigando-me a fazer o mesmo para não parecer mal educado.
— Não me bajule tanto, Njord, a festa é para você! — analisei o semblante do loiro e sorri para mim mesmo. Ele estava tão farto daquele velhote quanto eu, mas precisava manter as aparências por agora.
— E agradeço pela sua benevolência, Odinson, mas não confunda as coisas! — Njord deu uma piscadela e gargalhou, nos brigando novamente a rir de sua piada sem graça. Quando achei que não pudesse ficar pior, ele emendou: — Por falar nisso, quando pretende arranjar uma rainha para sua Asgard? Acredito que Odin já esteja ansioso por netos.
Fechei a cara imediatamente, baixando a cabeça para que ninguém visse o desgosto estampado em minha face. Odin, que estava sentado ao lado de Thor, possuía uma expressão impassível. Imaginei que também estivesse incomodado com o vanir, mas diferente do loiro, não conseguia fingir a mesma postura cortês.
Thor me olhou de relance antes de responder, com um sorriso forçado:
— Asgard terá de esperar mais um pouco por sua rainha, meu amigo. No momento estou ocupado com outros afazeres reais.
— E que afazeres reais podem ser esses mais importantes do que o amor de uma mulher, caro Odinson? — meu olhar oscilava entre Njord e Thor, como se assistisse a um duelo acirrado. O loiro meneou a cabeça e deu dois tapinhas no ombro de Odin, fazendo-me arquear as sobrancelhas com o gesto. Nunca o vi agir tão naturalmente perto do nosso pai, porém imaginava que certas coisas deveriam ter mudado após sua coroação.
— Meu pai saberá respondê-lo melhor do que eu, afinal ele conseguiu o amor de minha mãe depois de alguns bons anos como rei. — Odin, no entanto, não abriu a boca em nenhum momento, ainda sustentando a mesma pose indecifrável.