Acordei com um leve chacoalhar em meu ombro e abri os olhos lentamente, dando de cara com írises azuis me fitando atentas. Thor me ofereceu um pequeno sorriso que não retribuí. Limitei-me a bocejar e desci da carruagem sem trocar uma palavra consigo, passando reto pela sua figura corpulenta. Assim que pus os pés no solo de Vanaheim, fomos recebidos por um simpático casal de velhinhos.
— É uma honra recebê-los, vossa majestade e vossa alteza! — disse a senhora, abrindo um sorriso contente e genuíno enquanto se aproximava.
— O prazer é todo nosso, senhora. Diga, onde estaremos hospedados? — questionei já tomando as rédeas da situação. Foi para isso que vim, não é mesmo?
— Aqui mesmo, alteza. — respondeu o senhor, apontando para o palácio atrás deles. — O rei ordenou que estivessem nos melhores aposentos, nas melhores condições.
Fomos guiados para dentro do castelo enquanto o casal tagalerava sem parar. Eles estavam muito animados, aparentemente não recebiam muitas visitas de outros reinos em Vanaheim. A senhora nos levou até nossos aposentos e o quarto de Thor era em frente ao meu, para meu desgosto particular. Infelizmente teria de vê-lo mais do que o necessário durante toda nossa estadia aqui. O casal então nos deixou para que nos instalássemos da maneira devida e num piscar de olhos eu estava no meu quarto, sedento por um minuto longe de Thor.
Agradeci aos criados por trazerem meus pertences e me sentei na cama, admirando a paisagem verde pela janela gigantesca. Poderia ter pedido a Frigga que nos acompanhasse, mas duvido que ela aceitaria. Era uma questão de ética fazer com que Thor e eu nos acertássemos durante uma briga, pois no fim, ela já teria seu discurso pronto de que éramos irmãos e o amor sempre viria acima de tudo. Revirei os olhos com aquela balela infantil, me deitando na cama e encarando o teto.
Não fazia nem um mês que estava na corte de Thor e a vontade de desistir já era imensa. Não sei o que me irritava mais; o fato de eu não ter voz ativa nenhuma, ou o fato de que Thor sequer necessitava da minha ajuda. Eu lhe era inútil e percebi isso somente hoje, quando minha opinião não mudou em absolutamente nada na sua decisão. Ainda que ele fosse o rei, no fundo achei que por termos um grau de parentesco próximo Thor iria ao menos se mostrar interessado em uma parceria monárquica entre nós. Minha ingenuidade por vezes se assemelhava à do loiro e o pensamento me fez rir sem humor.
Fechei os olhos e por algum motivo Laufey veio à minha mente, suas malditas palavras me perseguindo como um animal ronda sua presa. Se algum dia eu chegasse a enlouquecer em Asgard, o que era cada vez mais possível, e quisesse aceitar minhas origens em Jotunheim... Ao menos lá teria um trono me esperando.
— Você já está enlouquecendo só de pensar nisso, seu tolo. — murmurei para mim mesmo, me levantando e indo até a janela. Um vento forte abalou as árvores do lado de fora e olhei para o céu, uma tempestade se aproximava. Se era natural ou um capricho do deus do trovão, não fazia a mínima ideia.
— Não sou eu. — ouvi a voz do maldito atrás de mim, me assustando de leve. — Se é o que está pensando. — olhei-o de soslaio e voltei a encarar a paisagem de braços cruzados.
— Você não sabe o que é espaço, não é?
— Você não me pediu espaço algum. — Thor rebateu, dando alguns passos para ficar ao meu lado. — Esse é seu problema. — fechei a cara mais ainda, se possível.
— Do que está falando?
— Você é uma incógnita, Loki. — Thor começa, analisando o céu nublado. — Você se irrita comigo por coisas da sua cabeça e é incapaz de me dizer o que o incomoda.
— Eu já falei.
— Nós dois sabemos que não é só por isso que está chateado. — Thor me encarava insistentemente e olhei-o de volta, desafiando-o em silêncio.
— O deus do trovão lê mentes agora? — questiono irredutível, sem vontade alguma de ter mais uma conversa sentimental com Thor. Ultimamente andamos tendo várias dessas.
— Se vamos fazer isso juntos, temos que ser parceiros. — soltei uma risada irônica.
— Parceiros conversam antes de tomar qualquer decisão.
— Você querendo falar de conversa? — ele arqueia as sobrancelhas e sinto meu sangue ferver.
— Que se dane, então! — tentei me afastar para sair do quarto, mas Thor segurou meu braço e me olhou sério. — Me largue, Thor.
— Não, você está agindo feito uma criança.
— Quem é você para falar de mim? Até semanas atrás você era um completo idiota! — esbravejei, me soltando do seu aperto. Thor me olhava confuso, mas quieto. — Por acaso esqueceu que a vida inteira eu praticamente carreguei suas responsabilidades como rei nas costas, enquanto você recebia toda a glória e todo o amor das pessoas por derrubar algumas criaturas com seu martelo?! — minha voz estava na beira do descontrole, quase rasgando em um grito. Thor continuava com o mesmo olhar confuso, agora um resquício de mágoa em seu rosto. Mas eu estava cego demais para me importar com isso naquele momento.
— Eu... — ele começa, sem saber o que dizer. Thor pigarreia e meneia a cabeça, sua expressão séria. — Desculpe pelo incômodo. — há tristeza em sua voz, tão clara que chega a ser patético que esteja saindo da boca de um rei.
Thor sai do quarto logo em seguida, me deixando envolvido no silêncio pelo qual tanto almejei minutos atrás. Nessa viagem estava descobrindo vários fatores a meu respeito, inclusive que a tal diplomacia que eu possuía era estritamente direcionada a qualquer pessoa que não fosse Thor. Um suspiro penoso escapou meus lábios e fechei os olhos por um instante, o peso arrebatador daquele sentimento que nunca experimentei antes abalando minhas estruturas.
Remorso.