Em algum momento, em meio àqueles acontecimentos infames, minha mente considerou a presença de Thor como uma força que estranhamente confortou-me o bastante para aceitar a realidade que nos — ou me, no assunto da minha prisão — era imposta com menos relutância. Contudo eu só era capaz até certo ponto de aceitar tais afligimentos e Laufey, na sua postura de criatura a ter me dado a vida, estava fora do meu alcance naquele quesito a níveis astronômicos. Encarei seu rosto azulado com ar de superioridade, não deixando que o gigante pudesse ver o receio em meu semblante.
— O dia em que eu aceitar ser seu filho será o dia em que as Nornas nos trarão o Ragnarok. — cuspi com desprezo, cerrando os punhos em posição de alerta para quaisquer futuros ataques do gigante.
— Receio que não seja uma mera questão de aceitar, criança tola. É apenas a sua natureza. — Laufey aproximou-se a passos lentos, fazendo-me engolir em seco discretamente perante sua figura gigantesca. Ele abriu um sorriso amarelo, voltando o olhar para Thor atrás de mim. — E vejo que está fazendo bons proveitos da natureza jotun, vossa majestade.
— Cuidado com o que diz. — Thor rangeu os dentes enfurecido, enfim se erguendo e ficando de pé ao meu lado. — Espero que enxergue a gravidade do erro que cometeu ao invadir Asgard, sabe muito bem o que aconteceu com seu povo da última vez em que estivemos em guerra.
— Ah, é verdade! — Laufey ponderou falsamente, jogando os braços para o ar em tom debochado. Ele então parou para nos olhar, ódio brilhando em suas orbes cetrinas: — Porém o rei de Asgard não estava com interesses comprometidos em relação aos jotuns da última vez.
— E o que o faz achar que pode usar Loki contra mim? — Laufey arqueou as sobrancelhas, considerando as palavras de Thor por breves segundos.
Reprimi um revirar de olhos ao constatar que o plano infalível do loiro era essencialmente usar nossa pequena discussão para anular a ameaça de Laufey contra mim. Minha vontade era de estapeá-lo pela sua imbecilidade. Thor era um péssimo ator, afinal; não conseguiu esconder a aflição em seu rosto com a mera menção de que o jotun poderia me machucar de alguma forma. Ademais, obviamente Laufey possuía um milhão de possibilidades borbulhando em sua mente para nos prejudicar com a descoberta de nosso caso, outro sequestro sendo uma forte aposta minha. Porém nenhuma das minhas considerações chegou perto do que de fato aconteceu, pegando-me de surpresa no momento em que os devaneios me acometiam.
Laufey respondeu enfim, outro sorriso maléfico pintado em seus lábios azuis:
— Isso.
O gigante então encarou-me pontualmente, não me dando tempo de agir quando transformou seu braço em uma adaga de gelo e acertou meu estômago. Recuei no mesmo instante com o impacto, caindo de joelhos enquanto ouvia o grito desesperado de Thor reverberando distante em meus ouvidos. Senti seus braços fortes ao meu redor, tentando de alguma maneira conter o sangue que jorrava do meu corpo com suas mãos trêmulas. Minha visão estava turva e as forças aos poucos deixavam-me sem aviso prévio.
— Você vai pagar por isso! — Thor esbravejou e estendeu a mão para que Mjonir fosse até ele.
O loiro correu na direção do gigante com o martelo, apenas para ser respondido com um golpe que o arremessou até a outra parede do quarto, destruindo-a por completo. Laufey tentou acertá-lo novamente, mas fora surpreendido por Thor lhe golpeando com Mjonir e dessa vez o acertando. Assisti à batalha por alguns segundos até sentir que meu corpo desfaleceria a qualquer momento, deixando assim meu irmão sozinho para lutar contra os jotuns — o que estava absolutamente fora de cogitação.
Respirei fundo e rastejei-me para um canto que estivesse menos comprometido com o duelo, buscando em minha memória um feitiço rápido para curar meu ferimento. Aquela na verdade era especialidade de Frigga, porém duvidava de que agora ela estivesse em condições de me ajudar. Tentei não pensar o pior de sua situação naquele momento, recordando-me vagamente de alguns encantos que a rainha me ensinou quando criança.
Procurei uma posição confortável para realizar o feitiço e apertei os olhos com a dor dilacerante que violou meu estômago ao me virar bruscamente para o lado, dificultando minhas tentativas de concentração. Avistei Thor ao longe se erguendo dos escombros e ele avançou contra Laufey novamente, fazendo com que ambos caíssem pela varanda para fora do quarto com o impacto. Os dois gigantes que acompanhavam o rei de Jotunheim os seguiram e uma vez sozinho, vi a oportunidade perfeita para tentar salvar minha própria pele. Usei as últimas forças que tinha para ficar de joelhos e apoiei-me com uma mão na maldita cadeira de couro marfim, revirando os olhos com a ironia daquele gesto; o móvel mais horrendo que vi na vida era o que estava me dando apoio para me curar, afinal.
— Se eu sobreviver quem irá redecorar esse quarto definitivamente sou eu... — resmunguei com dificuldade, encarando com nojo meus dedos ensanguentados enquanto pressionava o ferimento.
Fechei os olhos e respirei fundo mais uma vez, ignorando a dor visceral em meu estômago. Gesticulei levemente para centralizar meu seidr e sorri satisfeito quando senti a magia envolver minhas mãos, apontando-a para o corte profundo em minha barriga. Cerrei os dentes com o contato elétrico sobre o ferimento e performei o feitiço com maestria, deixando que um suspiro de alívio escapasse minha boca quando a dor fora sumindo aos poucos.
Levantei-me do chão e saí em disparada à procura de Thor, correndo pelos claustros do palácio feito um louco. Estava tão distraído com minha preocupação que acabei esbarrando em um corpo revestido por armadura. Por um momento minha visão traiu-me e achei que era o loiro. Fui provado o contrário no momento seguinte, contudo, quando uma adaga voou na minha direção somente para ficar a milímetros do meu pescoço ameaçadoramente.
— Aonde pensa que está indo, prisioneiro? — Sif lançou-me um olhar sério, seu braço segurando firme a arma contra mim.
n/a:
sif meu amor eu te amo mas AGORA NÃO
estamos quase no fim!!!
obrigada por ler ❤️❤️