— Está certo disso, Thor? — questiono mais uma vez, ainda não convencido de que aquela era a melhor decisão a se tomar. Economia e seus afins não estavam exatamente na minha área de especialidade, mas na de Thor menos ainda.
— Acho que sim. — diz ele depois de um tempo, o receio estampado em sua face. Era incrível quão mais jovem Thor aparentava ser quando estava totalmente perdido em uma situação.
Olhei para os outros membros do conselho que estavam na sala e acenei com a cabeça, dando a confirmação que precisavam para seguir em frente com o plano. Thor pediu que nos deixassem a sós na sala de reuniões. Uma vez sozinhos, ele se encostou na mesa e cruzou os braços, sua testa franzida denunciando inquietude.
— O que ocupa sua mente? — me aproximo, ficando de frente para si. Há receio em seus olhos azuis.
— Não sei se consigo fazer isso. — Thor murmura, tão baixo que quase não entendi o que disse. Ele ficou em silêncio por alguns segundos então continuou, respirando fundo: — Nunca admiti isso em voz alta, mas você me conhece como ninguém. De certo já deve ter percebido minha insegurança.
— É verdade. — começo, tentando ao máximo apaziguar seu descontentamento com minha entonação suave. — Mas isso não é algo ruim, Thor. Ter medo significa que você está consciente. Só os idiotas têm certeza absoluta do que estão fazendo. — Thor ri baixo, no entanto seus olhos não o acompanham no ato.
Uma sensação desconfortável me invade e temia que fosse minha impotência naquela situação. Por mais que eu tentasse ajudá-lo e guiá-lo, a última palavra sempre teria de ser sua. No final das contas, o reino era sua responsabilidade e de mais ninguém. Qualquer decisão, qualquer passo em falso recairiam sobre ele as consequências. A pressão era muito forte, mas ninguém nunca disse que seria fácil. Acontece que a vida toda o favoritismo de Thor o preparou apenas para a glória. O trabalho árduo e a parte burocrática da coroa sempre foram interesses meus, por mais que não fosse minha obrigação, enquanto ele era amado por suas vitórias como guerreiro.
— Seja sincero. — Thor me tira dos meus devaneios. — Eu posso ser um bom rei? Tão bom quanto Odin? — penso um pouco antes de responder, então meneio a cabeça.
— Só quem pode dizer se Odin foi ou não um bom rei são seus súditos. — digo da maneira mais doce possível, deveras consciente de que um simples comentário duvidando da capacidade de Odin poderia ofender Thor. O pai de todos era seu herói, afinal. Era compreensível toda aquela idolatria. Toquei seus ombros numa forma de confortá-lo: — E quanto a você, sim, eu acho que pode ser um bom rei. Eu acredito em você, Thor. Sempre acreditei. — balbucio um pouco a contragosto, me sentindo patético por essa sessão de declarações. Na verdade havia momentos em que eu acreditava nele, momentos muito específicos, mas Thor era movido à base de emoções e precisava daquela colher de chá para se tornar mais confiante no seu papel como rei.
Ele me olhou com um sorriso sapeca:
— Estou em Valhalla? Só posso estar no céu para que você esteja me elogiando, Loki. — soltou uma risada no final e eu revirei os olhos, me afastando e fechando a cara. Thor não deixou barato, porém, me puxando para um abraço apertado.
— Me solte, seu bruto! — tentei me desvencilhar do seu aperto inutilmente, sua força era imensurável comparada à minha. Depois de espernear bastante me dei por vencido e retribuí o maldito abraço, fazendo uma careta quando um beijo estalado fora depositado em minha bochecha. Ignorei completamente os arrepios que senti com aquele gesto. — Você é um brutamontes, Thor. — resmunguei assim que nos separamos, acariciando minhas costas onde ele havia apertado enquanto fazia uma careta de dor.
— Obrigado pelas palavras, Loki. Eu precisava delas. — ele me sorriu genuinamente agradecido e apenas abanei a mão, fazendo pouco caso.
— Chega desse sentimentalismo todo, estou faminto. Vamos jantar! — Thor apenas me seguiu, um sorriso divertido em seus lábios.
Já passava das onze e a casa inteira havia se recolhido. Fomos à cozinha e Thor pediu aos criados que nos servissem, os dispensando logo em seguida. Sentamos à mesa em silêncio e o loiro encheu minha taça de vinho. Tomei um gole farto e um gemido satisfeito escapou minha garganta conforme o líquido descia até meu estômago. O dia fora longo, uma correria desde que acordei. Thor e eu estávamos de pé desde cedo resolvendo as pendências mais urgentes do reino, principalmente as complicações com Jotunheim depois do meu sequestro.
Fazia apenas uma semana do acontecido e ainda assim era como se já fosse um passado distante, pelo menos para mim. Resolvi me manter calado sobre minha descoberta até o momento oportuno, se ele sequer viesse a chegar. Depois de toda a frustração que passei com a coroação e meu cativeiro eu precisava pôr os pensamentos em ordem. Quanto menos dores de cabeça eu pudesse sentir, melhor.
Comecei a comer e senti meu corpo relaxar devido ao efeito do álcool. Olhei para Thor e ele estava entretido com os próprios pensamentos, tão inerte que sequer me notou o observando.
Ou foi o que achei.
— Tem algo no meu rosto? — Thor indagou e me lançou um olhar espertalhão, me fazendo corar por ter sido pego em flagrante.
— Admirando sua beleza. — respondi casualmente, num impulso pelo qual de certo o álcool fora o único responsável. Abri um sorriso irônico para disfarçar a estranha sinceridade em minhas palavras e Thor pareceu entender minha “brincadeira”, murmurando em concordância.
— Amanhã temos que tratar de um assunto, você e eu. — declarou seriamente depois de um tempo. Suspirei.
— Mal sentamos para comer e já quer falar de trabalho? Preferia quando você era o irmão irresponsável. — desabafei miseravelmente e Thor riu, dando de ombros. — Devo me preocupar?
— Acredito que preparar seja a palavra correta. — franzi o cenho quase que comicamente, o álcool dominando mais dos meus atos do que antecipei.
— Agora estou preocupado. — Thor fez um gesto com a mão, como que para amenizar minhas hipóteses.
— Não há com o que se preocupar.