Fui levado até o calabouço em silêncio. As correntes pesadas dificultavam minha locomoção, mas dei um jeito de caminhar graciosamente a despeito da minha situação indesejada.
Não me defendi da acusação ridícula, sabia que seria um esforço inútil. Njord deveria ter forjado provas irrefutáveis contra mim para fazer com que Thor acreditasse naquele ultraje — ao menos era minha teoria diante de sua postura atraiçoada enquanto eu era algemado. Logo, era mais sábio poupar minhas energias para conseguir escapar daquela prisão injusta e enfiar uma faca no peito daquele velhote safado eu mesmo.
Por isso, em vez de me defender ou mesmo ofender Thor para expressar minha raiva no momento do ocorrido, preferi tratá-lo com a mesma frieza que sempre o tratei; antes do nosso envolvimento amoroso, de qualquer forma. Como uma concha, fechei-me novamente. Olhei nos olhos azuis como o céu límpido de Asgard, que tantas vezes me tiraram o sono em toda sua exuberância, e não fiz ou falei absolutamente nada. Não esbocei reação alguma, prendi meus lábios em uma linha reta e encarei meu destino irremediável frente a frente. Saí do quarto de Odin acorrentado, mas de cabeça erguida.
Longe do rei, no entanto, não consegui mais reprimir minha revolta. Já em minha cela, permiti-me um rápido momento de lassidão. Deixei que meu corpo caísse sobre a pequena cama e chorei. Chorei com todas as minhas forças, como se recebesse repetidos golpes em meu estômago. Lavei meu rosto com a água salgada que imprimia todo sofrimento guardado dentro de mim desde aquele maldito sequestro.
Chorei de ódio por Njord. Chorei de tristeza por Odin. Chorei de raiva por Thor, principalmente. Raiva por ele ser o rei, por ter de fazer o que precisava ser feito enquanto tal. Chorei porque ele já não era meu irmão e ainda assim, da maneira mais estranha e perturbadora, continuava o sendo.
Em seus olhos não havia nada além de um homem cumprindo um dever, porém. Não havia mais o rapaz otimista e impulsivo que destruiu e construiu tanto com Mjonir. Havia uma sombra no lugar do deus do trovão. Havia apenas o rei de Asgard no corpo de Thor e ninguém mais. Pensei que pudesse ser forte para aceitar que esse dia chegaria, mas enganei-me dolorosamente. Era como uma perda insuportável e o luto envolvia-me em seus braços gélidos, não deixando-me outra escapatória a não ser retribuir seu aperto. Soltei uma risada sem humor, achando graça da minha própria tolice.
No final das contas, o tolo sempre fui eu.
Não vi o tempo passar e quando me dei conta, acordei com alguém chamando meu nome. Não fazia ideia de que horas eram, mas imaginava que já fosse um novo dia. Cerrei os olhos com a claridade das paredes mágicas da cela, então avistei Thor do lado de fora da mesma. Ele me analisava em silêncio, sua expressão consternada. Senti um gosto amargo na boca e desviei o olhar, sentando sobre a cama de maneira mais confortável.
— Seu julgamento é amanhã. — ele disse baixo, como se estivesse envergonhado de ter que proferir aquelas palavras. Sequer me movi para respondê-lo e Thor suspirou, visivelmente incomodado com a minha indiferença. — Se estiver pensando em enfim se defender, essa será a ocasião perfeita. — soltei uma risada seca, finalmente erguendo os olhos para si.
— Não há por que me defender de um crime que não cometi, majestade. — respondo, meu tom perigosamente beirando o sarcasmo.
— Eu vi você, Loki, com meus próprios olhos, enquanto preparava o veneno que causou o sono de Odin. — ergui minhas sobrancelhas em falsa surpresa.
Njord provavelmente havia achado um metamorfo para se passar por mim, em qualquer cena incriminatória que ele houvesse mostrado a Thor. Não dividiria minha teoria com o loiro por pura birra, porém, pois queria que descobrisse por si só quão imbecil ele estava sendo. Em vez disso, decidi pôr mais barreiras entre nós. Quanto mais distante eu estivesse de Thor agora, mais seguro meu coração estaria — apesar do mesmo estar gritando em meu interior que aquilo não poderia ser mais longe da verdade.
Ignorei-o e abri um sorriso falso enquanto me levantava, ficando em pé à frente de Thor:
— Não me diga! — inclinei o corpo para encará-lo o mais próximo possível, minhas palavras seguintes transbordando ressentimento. — Isso só me prova o quão despreparado você ainda está para ser rei.
— Reações como essa são motivo o bastante para me fazer acreditar na sua maldade, Loki. — sinto um aperto no peito, mas não demonstro o quanto sua fala me afetara.
— É um crime falar a verdade? — dei de ombros e virei as costas para o loiro.
Um silêncio se instalou entre nós. Achei que Thor havia ido embora, mas ele tornou quase num sussurro:
— E ainda assim, eu não acredito. — com isso, ouço seus passos se afastando.
Soltei um suspiro e com ele um soluço escapou dos meus lábios. As lágrimas voltaram a cair abundantes e escondi meu rosto, envergonhado pela minha fraqueza. Fiz um feitiço ilusório para esconder-me dos outros prisioneiros e continuei meu pranto em silêncio, sentindo minhas forças se esvaindo.
Naquele momento o simples conforto de um céu estrelado me era um luxo inalcançável, forçando-me a encarar o teto escuro da cela na busca insípida por um acalento que fosse. Fechei os olhos tentando visualizar estrelas em minha mente, mas tudo que vi foram orbes azulinas fitando-me sem parar.
Ah, os prazeres do romantismo!
n/a:
estamos entrando na reta final :(