Passava das cinco e eu estava mergulhado em um livro de feitiços quando ouvi batidas singelas na porta. Deixei que a pessoa entrasse e revirei os olhos assim que ouvi o barulho inconfundível das botas de Thor contra o chão de madeira do quarto. Ele parou em pé perto da mesa onde eu estava e ficou em silêncio por alguns segundos, até que disse:
— Loki. — há uma incomum incerteza em sua voz, o que me deixa ligeiramente curioso. Poucas coisas eram capazes de tirar o poderoso Thor do seu eixo. Ainda assim, contudo, não baixei a guarda. Sua petulância da noite anterior me era muito recente.
— Estou ocupado agora, Thor, não está vendo? — resmungo, sem erguer o olhar da página que estava lendo.
— Não. — responde ele, cínico, rapidamente tirando o livro das minhas mãos e o jogando para longe, como se não fosse nada. Sinto a raiva tomar conta de mim e me levanto da cadeira, cruzando os braços.
— O que você quer?! — questiono furioso, já com vontade de lhe dar um soco.
— Um conselho. — esclarece, novamente atiçando minha curiosidade. Não tinha pretensão de demonstrá-la, porém.
— Esse trabalho não é meu! — cuspo impaciente, indo resgatar meu livro jogado no chão. Ouço os passos de Thor atrás de mim me seguindo e reprimo um suspiro cansado. Hoje ele está irredutível.
— Por favor, Loki! Você é o único em quem posso confiar. — olho para Thor como se ele possuísse duas cabeças, então respiro fundo me dando por vencido. Desisto de ir buscar o livro e volto a cruzar os braços.
— Seja breve.
Thor pigarreia:
— Amanhã é a coroação...
— Sim.
— E logo mais todas as responsabilidades do reino cairão sobre mim...
— Vá direto ao ponto, Thor. — o interrompo e ele suspira visivelmente agoniado, mas assente em seguida.
— Preciso que você faça parte do meu conselho real. — as palavras praticamente deslizam de sua boca, como se estivessem há tempos lutando para sair. Devo me assemelhar a uma estátua enquanto o encaro apático, até que minhas sobrancelhas franzem involuntariamente.
— Está falando sério? — pergunto, desconfiado. Apesar de eu ser conhecido pelas minhas travessuras, Thor não ficava atrás com suas brincadeiras de mau gosto. Ele, por sua vez, apenas assente mais uma vez. — Quando você decidiu isso?
— Foi inconsciente, na verdade. Não me lembrei de comunicá-lo antes por uma falta de atenção.
— Que novidade... — resmunguei relutante, ainda pego de surpresa pela oferta.
Thor e eu nunca fomos muito próximos, mas tínhamos uma boa convivência e em questões do reino ele sempre vinha a mim para tirar dúvidas e afins. Talvez não fosse lá uma grande surpresa, analisando em retrospecto... O que me assustava na verdade era sua humildade em admitir que precisava de ajuda, minha acima de tudo, porém eu morreria antes de admiti-lo em voz alta — assim como ele, certamente.
O loiro à minha frente parecia mais agoniado do que quando chegou, ainda à espera da minha resposta. Trocamos um olhar demorado e só então percebo o cansaço em seu semblante. Há olheiras profundas debaixo de seus olhos azuis e um aspecto abatido na sua figura em geral. Seria o peso da coroa já surtindo seu efeito? Não sei por que, mas com aquela constatação me veio uma imensa onda de preocupação e tristeza. Sabia que Thor não era uma má pessoa, precisava apenas amadurecer enquanto homem antes de pensar em virar rei. Chegava mesmo a ter dó do seu despreparo, sendo muito sincero, apesar dos pesares...
Deixei esses pensamentos de lado quando sua voz vacilante se fez presente:
— O que me diz?
— Tudo bem. — respondo enfim, me sentindo um tanto quanto amolecido por seu estado patético. O rosto do mais velho pareceu mudar completamente de tristonho para alegre, o que talvez não deveria ter aquecido tanto meu coração quanto o fez. Pigarreei antes que a emoção tomasse conta de mim. — Mas não pense que vou ficar lhe lambendo como fazem no conselho de Odin! — Thor abre um sorriso e dá dois tapinhas no meu ombro. Faço uma careta com o gesto.
— Não esperaria menos de você, Loki. — trocamos mais um olhar demorado, agora acompanhado de um sorriso cúmplice. Sinto meu interior esquentar novamente.
Dessa vez não era raiva, contudo.
