Acordei em meio a um frio congelante e analisei meus arredores, tentando descobrir onde estava. Não poderia ser em Asgard, estávamos no auge do verão. A rajada de vento que cortou meu rosto no minuto seguinte, porém, fora o bastante para confirmar que de fato eu estava muito distante da cidade dourada. Mais precisamente cercado pelas geleiras de Jotunheim.
Minha cabeça ainda doía pela pancada e me ergui com cuidado de onde estava deitado, numa espécie de colchão sobre o chão sujo e esbranquiçado por conta da neve. Olhei vagamente para o local onde estava e parecia ser uma cela. A única luz existente vinha de uma pequena janela gradeada ao lado da porta. Suspirei e me encostei na parede, tentando pôr os pensamentos em ordem. Definitivamente aquilo era um sequestro e muito bem planejado por sinal, uma vez que se aproveitaram da festança pós coroação para executar o crime.
Mas o porquê de eu estar ali no lugar de Thor ainda me era um mistério. Por mais autodepreciativo que soasse, príncipe Loki não era exatamente tão valoroso quanto o primogênito, recém coroado rei de Asgard... Algo não estava encaixando. Minha mente perturbada não conseguia pensar nas possibilidades e fiz uma careta com a dor na minha nuca. Sentia sede e o machucado na cabeça ainda latejava, me impedindo de fazer qualquer esforço que fosse para me concentrar. Ouvi passos se aproximando e paralizei no lugar.
— Está confortável, príncipe? — uma voz desconhecida surgiu dentre a penumbra do local, do outro lado da porta.
— Já estive mais acomodado em Jotunheim, para ser sincero. — rebati sem demonstrar um pingo de receio, até porque gigantes de gelo nunca de fato me causaram medo. As histórias que ouvia desde criança eram apenas exageros de Odin para nos manter alertas com nossos inimigos milenares, nada mais.
— Não imagina o quanto, vossa alteza. — o gigante respondeu misteriosamente, me fazendo franzir o cenho com suas palavras.
Antes que eu pudesse questioná-lo a porta abriu de uma vez, me obrigando a apertar os olhos com a claridade repentina. Diante de mim o gigante apareceu, observando-me em silêncio com suas orbes avermelhadas. Ele deu dois passos para frente e tornou a me examinar, como se nunca antes houvesse visto um asgardiano tão de perto.
— Perdeu alguma coisa, criatura? — ele parece acordar de seu transe e me lança um olhar raivoso, me fazendo recoar instintivamente.
— O rei Laufey demanda sua presença. — diz o gigante, ignorando minha provocação. Dou de ombros e volto a olhá-lo com ar de superioridade.
— Não é como se eu pudesse recusar, não é mesmo?
O gigante apenas assente e faz um sinal para que eu me levante. Nossa diferença de altura me faz engolir em seco, mas não demonstro meu nervosismo. Ele me algema com as mãos para trás e me empurra para caminhar à sua frente. Perdido em pensamentos, contemplo o que minha família deve estar fazendo nesse momento para me resgatar.
Será que estão intimidados? Duvido muito, talvez só Frigga realmente ligue. Thor é um tolo sentimental, mas não devo importar o bastante para que minha ausência chegue a entristecê-lo. Quem sabe o rei de Asgard não se sinta até agradecido por esse favor que os jotuns lhe fizeram o livrando de mim? Quanto a Odin, sequer preciso imaginar sua reação apática em relação à minha pessoa. Nunca fomos próximos e não teria por que o velho sentir minha perda como sentiria a de Thor, o favorito, por exemplo. Já não me era uma mágoa, para falar a verdade. Há tempos não almejava um amor paterno que nunca seria meu enquanto houvesse um Thor para ofuscar minha existência.
Depois de pelo menos dez minutos andando por corredores sem fim, adentramos uma sala gigantesca toda revestida por gelo. Há um trono gigante no meio do salão onde o rei de Jotunheim, Laufey, está sentado de cabeça baixa. Conforme nos aproximamos ele finalmente ergue o olhar e me encara apático. O gigante que me trouxe para de andar e eu o acompanho, ficando em pé de frente para o rei. Encaro a criatura de cabeça erguida, mas chega uma hora que o silêncio que paira no ar torna-se insustentável até para mim e pigarreio, chamando sua atenção.
— A que devo as honras, meu caro rei? — faço-lhe uma reverência irônica, mas Laufey não esboça reação alguma.
— Loki Odinson, príncipe de Asgard... — começa, como se estivesse constatando aquele fato pela primeira vez.
— O próprio. — abro um sorriso sarcástico. Ele me lança um olhar reprovador dessa vez.
— Deus das travessuras, língua de aço... — continua suas afirmações, como se as estivesse validando pelo meu comportamento consigo. Sinto meu sangue ferver.
— O que quer de mim, criatura? — digo impaciente, já sentindo todo meu equilíbrio emocional ir pelos ares.
— Ter uma conversa franca... — Laufey pausa para se levantar do trono e eu pisco, esperando por uma conclusão. Nenhum dos meus palpites espertos conseguiria, porém, me preparar para as palavras seguintes. — Meu filho.