Lar

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O céu acinzentado vai ganhando os primeiros raios do sol, as pessoas começam a circular pelas ruas dando início a mais um dia. Ajusto o volume da música e acelero o ritmo da corrida, a alguns dias estava levantando antes mesmo do sol nascer para correr. Sentir o vento contra o meu rosto ajudava a esvaziar a mente e acalmava meu coração.

Enquanto corro uma nova música soa através do fone de ouvido, sua melodia era suave e tranquila umas das músicas que a Ana mais gostava. Sorriu só com a menção do seu nome, garota forte e cheia de luz. Meu refúgio.

Desço os pequenos degraus e me sento no último a fim de completar a paisagem a minha frente, o verde vibrante rodeava toda a Fazenda e mais adiante próximo a casa principal, estava uma grande árvore que servia de alicerce para um delicado balanço. Respiro buscando me acalmar, eu não queria me despedir desse lugar.

Relembro dos momentos vividos aqui, os passeios a cavalo, os piqueniques próximo a cachoeira e das histórias de terror que meu pai contava a noite, mamãe fazia seu delicioso chocolate quente e ficávamos perto de uma fogueira escutando as histórias por horas.

Penso em todas as partidas de basquete improvisadas e em como a mamãe amava nos ver brincar do seu balanço. Quanta saudade.

A dor vai tomando espaço a medida que relembro como fora difícil voltar aqui depois que meu pai se foi, do silêncio ensurdecedor e do vazio. Com o passar dos anos era cada vez mais complicado voltar, até que fazendo o caminho para a Fazenda a conheci. Perdida e ferida, uma garota que lutava contra a escuridão. 

Quando vi seu olhar assustado, disse que ela não estava sozinha.

Eu só não sabia que a partir daquele instante, eu também nunca mais estaria sozinho. Uma conexão nascer naquele dia e foi ficando cada vez mais forte.

Sinto as lágrimas se acumularem no canto dos meus olhos e freio a vontade de chorar, revolta rodeia meu ser. Alana era uma mulher cruel e mesquinha que a muito atormentava minha família e o motivo era tão torpe, ela não aceitava o fim do relacionamento, não aceitava que meu pai tinha reconstruído sua vida com outra pessoa e por isso nunca firmou o divórcio.

Quando ele se foi, Alana transformou a partilha de bens em um campo de guerra, enfrentamos cada batalha e mais uma vez ela ganhará. Eu havia perdido o meu lugar especial.

Abaixo a cabeça tentando mais uma vez segurar o choro, eu precisava ser forte minha mãe estava desolada.

Sinto uma mão delicada tocar meu ombro, levanto a cabeça e meus olhos vão de encontro ao seu. O silêncio nos acompanha, mas não é preciso palavras, seu semblante era triste e em seus olhos havia um pedido mudo.

Não fuja do que sente, eu estou aqui. 

Esse era o seu pedido.

Ana se sentou ao meu lado e ofereceu sua mão, a segurei me entregando a dor e a saudade, sem medo de parecer fraco. As lágrimas agora desciam livre pelo meu rosto, Ana continuava em silêncio sendo a força que eu precisava, sendo para mim o que fui para ela desde do dia em que nos conhecemos. 

Ana: Eu sempre vou ser o seu refúgio, assim como você é o meu....

De todas as coisas do mundo essa era minha maior certeza, sempre estaríamos aqui um para o outro.....

Refaço o caminho de volta para casa já que estava correndo a algumas horas, eu tinha a leve suspeita de que minha mãe iria me dar uma bronca por sair tão cedo. Ando tranquilamente e assim que vejo a entrada de casa, tiro os fones os deixando em uma mesinha da sala assim que entro. 

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