Cotidiano

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Não sei explicar como fui parar do lado de fora do quarto, mas lembro de ver os médicos entrarem, de fazerem os procedimentos padrão e do olhar triste portador da notícia que eu já sabia. Da serenidade de uma linda despedida se transformar em pavor absoluto. 

Eu não conseguia respirar pois a dor sufocava minha alma, meu coração estava em pedaços e eu só queria voltar para aquele quarto. Eu só queria vê-la sorrir outra vez.

Porque eu não podia?

O piso frio do corredor do hospital era convidativo, sento e abraço meus joelhos e as lágrimas escorrem livremente pelo meu rosto transformando tudo ao meu redor em um mar denso repleto de tristeza, eu estava me afogando nele. 

Meus soluços se intensificam a medida que a angústia vai crescendo, eu tremia. Era raiva, era ódio. Mas também era alívio eu não conseguia pensar, eu não queria ficar aqui nesse chão frio. Ar eu tinha que ir em busca de ar, eu precisava do meu refúgio. 

Meu refúgio tinha partido e agora eu estava sozinho.

Tento levantar quando escuto um soluço sofrido que vem da alma é sentido e me destrói ainda mais, Ana estava ao meu lado encostada na parede e sua mão tocava meu ombro. Eu nem tinha percebido o seu toque. 

Seus olhos vermelhos refletia com exatidão tudo que sinto, a boca tremia assim como sua mão. Me ajeito melhor e a trago para perto de mim, apoio sua cabeça em meu peito e a abraço. Fecho meus olhos e juntos nos afogamos em um mar de lágrimas.

Com toda a delicadeza que tinha Ana me convenceu a levantar do chão e ir para casa, Mariano ficaria. Voltar não foi fácil e no caminho Alice pediu para uma amiga trazer a Bia. Vi Ana domar cada pedacinho da sua dor ao contar para sua irmã que minha mãe havia partido, vi a garotinha correr para os seus braços e quando o seu olhar de criança encontrou o meu vi o reconhecimento de alguém que sabia melhor do que ninguém o que era perder alguém. Não era a primeira pessoa que ela perdia assim como também não era a minha, constatar esse fato não diminuía o peso da dor, da raiva e da saudade que nos esmaga agora, ao contrário. Ela só aumentava.

Há sempre uma pessoa que em momentos como esses tomará as rédeas da situação, que terá força para cuidar de assuntos que parece tão banais, cuidar de papeis? Liberação do corpo para o traslado do Brasil? Funeral e enterro? Como eu pensaria nisso se a única coisa que eu quero nesse momento é minha mãe de volta? Se eu só consigo pensar no que vem depois e isso me assustava. Eu não tinha cabeça e a única coisa que lembro de fazer é assinar alguns papéis a pedido do Mariano fazer uma pequena mala e entrar no avião. 

Ana se mantinha ao meu lado a todo tempo, ela era a única que eu conseguia ver com clareza e o resto era como uma neblina feita da pior dor a dor da perda. Bia também esteve ao meu lado no avião, a cabeça apoiada em meu ombro e as vezes ela chorava em silêncio, as vezes ela segurava minha mão em compreensão ou até mesmo fazia um carinho na irmã. 

Ao chegar em São Paulo tudo estava pronto para nos despedimos, eu não queria. Porque ela não podia voltar? Porque tudo tinha que ser tão injusto? 

O céu estava limpo e o sol brilhava tão intensamente, a pequena capela estava pronta, havia ao lado inúmeras capelas como está onde outras famílias se despediam de seus entes queridos. A coroa de flores ao lado do caixão me assustava um pouco e fazia tudo se tornar real.

Amigos e pessoas conhecidas, mamãe era querida para todos que teve a honra de conhece-la e assim veio os primeiros abraços e o ‘sinto muito’ de pessoas que não sabiam bem o que fazer. Eu estava sentado no banco grudado na parede e seu corpo que transmitia serenidade estava lá na minha frente, a inquietude não me deixava pensar e as lágrimas insistiam em cair sem cessar. 

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