Compreender a mudança

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Ao sair do quarto apago as luzes, a República estava silenciosa a essa hora da manhã então presumi que todos seguiam dormindo, passo pelo corredor e desço as escadas sem fazer barulho e quando chego perto da cozinha vejo a Ana espremendo algumas laranjas para preparar um suco. Meus olhos adquirem aquele brilho e um sorriso se molda em minha boca, suas pernas a mostra devido ao shorts jeans me deixavam um pouco desnorteado e suspiro pensando na noite maravilhosa que tivemos. A blusa verde trazia um contraste com seu cabelo vermelho fazendo-a ficar ainda mais bonita e ao vê-la assim radiante, uma expressão brasileira vem em minha cabeça.

Thiago: Bom dia flor do dia – ando até estar do seu lado.

Ana: Flor do dia? – a forma engraçada e confusa que ela falou deixou-a fofa – Vai querer suco de laranja? – parou o que estava fazendo quando beijei o seu pescoço.

Thiago: Vou sim linda.

Afasto um pouco e vou até um dos bancos em frente à bancada enquanto Ana volta a sua concentração no suco e nas torradas, pego meu celular para dar uma olhada nas notícias do dia. Passo por algumas matérias sobre esporte e política mas uma em específico chama atenção.

Thiago: Ana? – ouvi ela murmurar um hum – Olha essa notícia.

Ela veio até mim tentando equilibrar um prato cheio de torradas empilhadas, depois que ela colocou sobre a bancada dei o meu celular e ela passou a ler o conteúdo da reportagem.

Ana: Essa não é a Ana que o pessoal vive falando? – confirmei – Não acredito que prenderam a Ana da Silvo – ela notou minha vontade de rir – Não ri Thiago! – foi o que bastou para eu cair na gargalhada – Será que o Pietro e a Daisy já sabem?

Thiago: Acho que não.

Ana da Silvio era uma ativista ambiental da qual o Pietro e a Daisy viviam comentando e é claro que não a conhecíamos mas um dia os dois viram uma reportagem sobre ela estar aqui em Buenos Aires e foi uma loucura. Os malucos inventaram até de hospeda-la se por um acaso do destino ela aparecesse aqui, como se isso fosse acontecer um dia. Era divertido.

Ana: Eu que não vou contar pra eles, vão ficar desapontados.

Thiago: Há eles vão – puxei sua mão e a seguro – Que tal sairmos para jantar só nós dois?

Ana: Só nós dois? – minha outra mão tocou a pele desnuda da sua coxa – Acho uma ótima ideia – como estávamos próximos ela aproveitou para me beijar rapidamente – As oito? – afirmo – Há, você pode passar na casa dos meus pais e pegar uma caixa pra mim? – falava e falava e eu só conseguia fixar meus olhos nos movimentos que sua boca fazia – Tenho que dar aula até tarde e ainda ajudar o Pietro com o jantar porque tinha prometido, Thiago? Não escutou nada do que eu disse.

Thiago: É claro que eu escutei – ela fez uma cara que dizia ‘sério?’ – Ok eu não escutei, estava mais interessado em olhar sua boca.

Ana: Minha boca – se levantou chegando mais perto de mim – Linda, olhos cor de café – escondo um sorriso ao ouvi-la mencionar um elogio que fiz semanas atrás – Flor do dia, está me seduzindo.

Seus braços pousaram no meu pescoço e sua mão acaricia minha nuca provocando um arrepio na minha coluna, minha mão aperta levemente sua cintura e seu sorriso se amplia quando aproximo minha boca da sua.

Thiago: Seduzindo? – ela moveu a cabeça de um jeito bem sensual – E eu que achei que estava sendo sutil.

Próximos demais não demorou um segundo para unirmos nossas bocas em um beijo urgente e ardente, éramos um emaranhado de palha e fogo em um incêndio de amor. Ao nos separamos eu a abraço e ao fazer isso sou capaz de escutar as batidas descompensadas do seu coração. Minha mão sobe e desce por sua costas.

Enquanto estávamos curtindo a presença um do outro escutamos um ‘Bom dia’ ser pronunciado em português, cumprimentamos o garoto a nossa frente.

Ana: Quer suco de laranja?

Ele afirmou e acabou por servir um copo para mim também, Manuel era um garoto incrível que morava na República a pouco tempo. Ele era irmão do Victor e do Alex e estava no país a poucos meses cursando a faculdade, porém as coisas não andavam bem para ele que passou a ter uma péssima relação com o Alex e com a Paula a relação era fria, afinal não era nada fácil para nenhum dos dois.

As brigas eram constantes e o garoto ficava no meio disso e só piorou quando uma certa Urquiza que agora não é mais baixinha entrou na história, os dois se gostavam e era bonito. No entanto ambos tinham que lutar para ficarem juntos e parecia a princípio que o amor dos dois perdia a batalha. Pelo menos eram o que todos acreditavam, Manuel aparentava estar muito bem pra quem tinha recém terminado o relacionamento, o que era no mínimo inusitado. Tinha algum quê de mistério envolvendo esse termino. Deixo tais pensamento para lá e tomamos o suco em meio a uma conversa animada, em seguida me despeço pois teria que resolver algumas coisas na rua.

Sempre que saia reparava na placa ao lado da porta e um sentimento de satisfação e dever cumprido se espalhava por cada parte da minha alma, o sonho de transformar essa casa em uma República veio de supetão, com o tempo percebi o quanto me faz bem proporcionar um lugar seguro e repleto de carinho para quem precisa de um lar. Foi bem desafiador e aprendi muito ao longo dos anos, Ana e eu na verdade. A garota ruiva dividia tudo comigo, todos os momentos, sempre me apoiando e entrando de cabeça em todos os meus sonhos.

Durante o restante da manhã resolvo o que tinha ficado pendente, Daisy cuidava praticamente de tudo porém tinha umas contas a serem quitadas. Depois vou para o meu treino, Charles tinha me apresentado a Luciana que era uma atleta, ela jogava basquete em um time de cadeirantes e quando convidou-me para ser o tecno desse time fiquei honrado.

Quando o treino chegou ao fim fui para o apartamento dos Urquizas e aproveito para tomar um chá com eles.

Mariano: Sinceramente como ela consegue ter a proeza de deixar o quarto desarrumado daquele jeito? – disse inconformado, sorriu Ana era uma bagunceira – Aqui Thiago.

Pego a caixa de pequeno porte, com toda a certeza eram partituras e pertences relacionado a música.

Alice: Sabe que ela sempre foi assim rainha da organização – o sarcasmo era perceptível.

Thiago: Precisamos marcar alguma coisa em casa – ela me olhou de canto.

Mariano: Acho ótimo seu amigo cozinha como ninguém – era verdade.

Enquanto colocávamos o assunto em dia noto o olhar recheado de carinho que ambos me direcionam, éramos tão unidos e sem dúvida os dois se tornaram minha família. Um presente que Ana me deu.

Ao entardecer me despeço deles e volto para a República, Ana finalizava sua última aula então mando um beijo e gesticulo dizendo que faria umas ligações. Depois de finalizar as ligações tomo um banho e visto uma roupa, passo um perfume e desço para a cozinha já que Ana provavelmente ainda seguia ajudando o Pietro com o jantar.

Ana: Hum de quem é esse perfume? – foi a primeira coisa que escutei ao me aproximar, ela estava de costa pra mim e procurava algo dentro da geladeira.

Pietro: Não sei, você passou perfume? – enrugo levemente a testa, ele estava mesmo falando com uma alface roxa?

Thiago: Acredito que seja meu.

Ao se virar os olhos da Ana encontrou com o meu e ela me olhou de cima a baixo, até um cego veria a luxúria e a cobiça que emanava através dos seus poros. O clima envolvente tomou conta da cozinha e o sorriso que ameaçava moldar sua boca era sedutor. Ela me comia com os olhos sem nenhum pudor e eu amava o fato dela sempre deixar seus sentimentos e vontades a mostra, eu não estava nem um pouco constrangido ao contrário, além de estar completamente perdido em seu olhar. Eu sentia uma necessidade absurda de rir porque ela se encontrava em transe segurando em sua mão uma cenoura.

Pietro: Eu sei que minha comida é maravilhosa mas não precisava se arrumar tanto – ele se fez presente e eu olhei minha roupa, eu estava como sempre talvez um pouco perfumado – E Ana – tomou a cenoura da mão dela – Você como ajudante é uma ótima professora de piano.

Thiago: Acha que eu exagerei?

Ana: Não, você está perfeitamente gato – disse em português.

Rimos e ela se despediu dizendo que ia se aprontar, Pietro não entendeu nada e eu expliquei que iríamos sair pra jantar fora. Meia hora depois ela desceu e foi minha vez de perder o fôlego.

No caminho para o restaurante que escolhemos de última hora ela contava empolgada sobre o vídeo que fez com a Bia para o canal que tinham juntas. Ela tagarelava e eu acompanhava ao risos, na mesa em um canto mais reservado do restaurante apreciávamos uma comida extremamente apetitosa e a companhia um do outro.

Tinha determinados momentos onde eu permanecia em silêncio observando como era linda e especial, em circunstâncias assim era basicamente impossível não pensar em toda a nossa trajetória até aqui. Em todos os anos, no encontro na estrada e como à partir dali eu nunca mais estaria sozinho, o inusitado foi que eu garanti que quem não estaria sozinha seria ela.

Como aos poucos e naturalmente fomos construindo uma amizade sólida e verdadeira, baseada no respeito e carinho. No fato de nos entendemos apenas com um olhar ou de nos acalmarmos e darmos forças um para o outro apenas com um cálido toque, nos sorrisos acolhedores e incentivadores ao mesmo tempo.

Mamãe sempre repetia que o que temos é raro e em algumas conversas ela gostava de frisar que encontrar um refúgio é relativamente fácil e simples. Que pode ser nossos pais, filhos, amigos e familiares ou até um estranho na rua. Na primeira vez que ela pronunciou tais palavras a questionei.

Se era fácil encontrar um refúgio porque o que eu tenho com a Ana e com você é tão raro e especial assim?

Ela respondia dizendo que os seres humanos tendem a destruir seus próprios refúgios simplesmente porque eles só pensam em usufrui-los.

Mamãe afirmava que ter ou ser um refúgio constitui em uma troca, mas não uma troca qualquer por interesse. Não um ‘Eu cuido de você porque você cuida de mim’.

A tal troca não era imposta e não exigia uma resposta em forma de ações, ela se baseava em naturalidade, em integridade e honestidade. Doar-se sem esperar receber um retorno, em conexão porque quando você encontra um refúgio você se torna um sem nem perceber. Lembre-se é uma troca nascida em um momento inesperado, um olhar em meio ao caos, na formação de uma nova amizade. No reconectar de antigos amigos e até no conhecer de pessoas das quais um dia você não gostou. Na espontaneidade você zela por aquele que será o seu refúgio, você o incentiva e até é duro e expõe sua opinião. Briga, ampara, chora e grita, oferece a mão.

Não se força uma troca como está e muito menos se compra, se cultiva e quem deixa de cultivar perde. Mamãe dizia que por isso o que temos é especial e que quando cultivamos e cuidamos de algo tão importante como nosso refúgio, ele floresce e nos dá frutos. Bia e seus pais eram um bom exemplo disso.

Ana: O vídeo de Gritar está ficado sensacional – pisco voltando a dar toda atenção a ela – Bia disse que vão postar daqui uns dias.

Thiago: Pixie mostrou um pequeno teaser, eles mandaram bem – vejo ela levar a taça de vinho até sua boca, tão sexy – Te contei que o Luan ganhou uma passagem de um ano? – negou.

Ana: Sério? Agora o mundo vai ficar pequeno pra ele – eu tinha que concordar – Aquele maluco não vai vim visitar a gente não?

Thiago: Disse que vem, mas você o conhece.

Ana: Ele vai aparecer do nada que eu sei – era isso mesmo que iria acontecer – Agora que você falou sobre viagem me deu uma saudade de Berlim.

Encaro seu semblante nostálgico e seguro sua mão que repousa sobre a mesa, ao entrelaçar nossos dedos mil lembranças dessa viagem invade minha mente. Queríamos viajar e seus pais toparam cuidar da República por uns dias, eu não sei de onde ela tirou que queria conhecer a Alemanha, mas sem dúvida foi uma das nossas melhores viagens.

Thiago: Foi maravilhoso mesmo, principalmente nossas noites no hotel – ela ruborizou.

Ana: Thiago – eu amava quando ela era audaciosa, mas vê-la levemente vermelha era engraçado – Que sabe um dia conhecermos a Irlanda?

Thiago: Conheço até a lua com você.

Assim que terminamos o jantar pago a conta e voltamos para a República o pessoal estava na sala então ficamos conversando até que um a um subiu restando apenas nós dois. Preferimos ficar ali mais um pouco curtindo o silêncio da madrugada, olhando agora a sala repleta de móveis e história lembrava muito a tela que mamãe falou quando chegarmos aqui anos atrás, mas agora ela não era mais uma tela em branco. Havia muitas cores, muito brilho. Era uma tela onde se desenharia mais e mais histórias.

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