Dividir os cuidados

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As palavras ainda estão na minha cabeça como um eco que se repete incansavelmente.

Câncer......

Domo a dor, a raiva. Seguro sua mão dividindo o peso dessa terrível notícia. Engulo o choro e procuro acalmar meus ânimos, não era hora para isso. Eu não quebraria não agora.

Era hora de lutar.

O médico nos explica passo a passo e vejo o Thiago controlando e escondendo todos os seus sentimentos. Maria agora mais calma escuta atentamente, o prognóstico não era bom, as células imaturas estavam se proliferando rapidamente danificando o funcionamento da medula e de acordo com o procedimento entraríamos o quanto antes com o que eles chamam de quimioterapia indução. O doutor Augusto ainda acompanharia o tratamento, porém agora de longe já que esta não era a sua área. Ele nos garantiu que o doutor Pedro era um excelente oncologista.

A volta para casa foi silenciosa para todos, cada um lidava com suas próprias emoções. Maria tinha a cabeça encostada no vidro da janela e olhava o borrão de pessoas que ficavam para trás devido a velocidade do carro, Thiago olhava atentamente para frente. Seus dedos estavam brancos de tanto ele apertar o volante e seu semblante carregava uma máscara de força. 

Minha mão procura a dele, a tiro do volante levando até minha boca dando um beijo e depois a seguro com carinho. Procuro colocar nesse gesto toda a força que carrego dentro de mim, busco cada fio de esperança e transmito através de um pequeno sorriso acolhedor.

Venceremos como sempre foi. 

O percurso parecia tão longe e Maria  estava tão esgotada física e emocionante que acabou por pegar no sono.

Ana: Thiago?

Thiago: Estou bem Ana – cada palavra saiu forçada – E você como está?

Ana: Cansada – engulo a vontade de chorar – Vamos vencer.

Thiago: Vamos – tinha tanto medo em sua voz – É tão injusto, porque com ela? – a dor se tornou visível por um segundo, mas ele logo a mascarou – Por que coisas assim acontecem? Porque ela tem que enfrentar mais essa? 

Era mil e uma perguntas e nenhuma delas continha uma resposta, era natural o seu questionamento. Eu também me perguntava o porquê?

Porque? Porque alguém tão cheia de amor e vida, tão carinhosa e bondosa. Especial tinha que passar por uma provação como essa? 

Não consegui responder, queria chorar, queria ligar para minha mãe e que ela pudesse dizer que passaríamos por isso. Queria acordar a Maria e fazer ela me prometer que tudo ficaria bem. Queria me agarrar ao Thiago até que essa tempestade fosse embora de vez. Porém isso seria impossível, meu refúgio estava perdido e sem forças, eles necessitavam de ajuda, apoio e esperança em meio a uma luta contra o inconstante desconhecido.

Não respondo a sua pergunta e ele vê todo o meu abalo e como apoio faz um carinho em minha mão, era para mim apoia-lo e não o contrário então faço uma pergunta muda, querendo novamente saber como ele está. A resposta foi a mesma, ele estava bem o que era mentira. Mas por hora achei melhor deixar para lá, se para continuar fosse preciso colocar uma falsa máscara de força, que assim seja. Às vezes cuidar de alguém era deixar como está, mas estar lá para amparar.

Quando chegamos em casa o Thiago acordou a Maria com delicadeza e a ajudou a subir, havíamos passado mais da metade do dia no hospital para tirar dúvidas e fazer mais alguns exames, Maria odiava todos eles principalmente os intravenosos. Faço o mesmo e vou para o quarto, tiro minhas roupas e no box do banheiro deixo a água quente escorrer pelo meu corpo. 

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