Quem criou a regra de fazer um velório para os mortos definitivamente estava em um surto após ver alguém que ama morrer, para mim não fazia sentido nenhum comemorar a morte de alguém, mas era em homenagem, então eu apenas empurrei meu cabelo para o alto da cabeça e o prendi com um elástico preto, meu vestido preto era justo, mas não havia nenhum detalhe, nem mesmo um decote, para mim estava mais que pronta, eu odiava se arrumar demais, ainda mais em um momento como esse, Jade também estava sem qualquer criatividade em se arrumar, seu cabelo preso num coque era enfeitado apenas pelo laço que o prendia, mesmo triste ela era vaidosa, então tratou de empurrar um par de saltos pretos para mim, a encarei com frieza, sem dizer uma palavra, apenas ignorei seu olhar de súplica, calcei os saltos e me levantei de impulso, eu não aguentava ficar presa naquele quarto por mais nenhum minuto se quer, cada centímetro do cômodo me fazia lembrar de Matheus, era uma tortura imaginar que por pouco ele estaria vivo no meu lugar, mas novamente eu estava ali, anotando mentalmente um nome para minha lista de motivos para me odiar. Meu rosto tinha se afundado, minha clavícula saltava diante ao vestido de gola alta, seguia até o pescoço, quase chegando ao queixo, em meu braço esquerdo havia uma facha, cobrindo o ferimento da bala que rasgou minha pele, eu sentia os ossos raspar no tecido, não por estar afiados, mas pela fraqueza que meu corpo estava.
No minuto que ouvi uma batida na porta, senti meu coração pular dentro do peito, lancei um olhar desesperador para Jade, que retribuiu o olhar, não tínhamos trocado uma palavra se quer desde o atentado, ela estava lá, eu lembro de ter visto seu rosto sujo de sangue enquanto olhava assustada para Thiago. Rafael fora o único com quem eu falei, quando acordei naquela manhã, ele me dizia ser necessário me dopar, eu não acreditava nisso, não podia obrigar uma pessoa a cessar o luto, ele não o fez com Thiago, mesmo que ele fez menos escândalo que eu. Éramos os únicos mais próximos de Matheus em todo o instituto. Segui até a porta com passos receosos, mas quando abri, senti meu peito encolher, minha garganta começava a arder só de vê-lo ali parado em minha frente.
- Pensei em ir junto com você. – Marcos dizia com cautela, as mãos dentro do bolso de sua calça preta estavam contraídas, eu podia perceber seu incômodo em ver o meu olhar, em sua íris eu enxergava como um espelho, minha expressão abatida, o olhar caído e as olheiras que eu não quis cobri-las, como Jade havia feito com si mesma. – Te dar um apoio. – Marcos disse novamente, como se eu tivesse paralisada em sua frente a muito tempo, pisquei os olhos algumas vezes, afastando o ardor que me atingiu naquele momento, estendi a mão para ele, que apenas entrelaçou nossos dedos e me puxou, Jade veio logo atrás, fechando a porta enquanto seguíamos juntos.
Ficamos calados todo o trajeto, nem mesmo ativamos a esteira de velocidade, preferimos caminhar até o outro lado do salão, minha garganta ardia, imaginar que todos iriam olhar para mim, enxergar o sangue de Matheus em minhas mãos, ver o meu desespero estampado no olhar, mas eu não conseguia nem mesmo esconder a dor do meu coração, estávamos mesmo indo para o velório de Matheus? Um dos irmãos Scott. O garoto que eu prometi que faria de tudo para sempre ver seu sorriso, agora ele nunca mais iria sorrir para mim, como poderia? Eu era a pessoa que causou sua morte, se eu tivesse impedido seu toque e simplesmente entrado no veículo, talvez ele ainda estaria comigo, Mark nem mesmo foi pego para ser punido pelas coisas ruins que tinha feito. Quando levantei meu olhar, percebi que todos me olhavam, todos os voluntários e resgatados do instituto estavam ali naquele salão da sessão Purple, divididos pela passagem da plateia, evitei olhar nos olhos daquelas pessoas, mas tinha uma pessoa naquele meio que me fez apenas levantar o rosto, empinando o queixo e sustentando o olhar, encarando-o até que ele passasse ao meu lado, enterrei meus passos no chão, fazendo Marcos que segurava minha mão, parar de andar e esperar para o que quer que eu fosse fazer.
- Carlos Santana. – O cumprimentei, sem colocar um título antes do nome, apenas o encarando através das sobrancelhas, um olhar demonstrando a superioridade, a força de meu ódio estampado no tom de minha voz. Queria poder gritar na cara dele, dizer o quão culpado ele era, por ter criado aquele plano, se Matheus estava morto, era por causa do diretor, com suas atitudes impulsivas e inconsequentes. Ele apenas acenou em um movimento de cabeça, seu olhar descendo para minha mão entrelaçada a de Marcos, eu não iria soltar, não apenas por aquele olhar, apenas apertei nossos dedos, demonstrando que eu e ele não seríamos separados, eu não tive a chance de proteger Matheus, mas com Marcos seria diferente, começando pelo fato que ele nem mesmo estava na montanha conosco, sua segurança sempre estará em primeiro lugar.
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A Vingança De Alessandra Bianchi | AVAB | 1º Livro REVISANDO
De TodoAlessandra foi sequestrada e abusada por exatos dez meses, que mais parecia anos lentos e torturantes para ela, mas pela sorte do acaso, conseguiu fugir das garras de Mark, o líder do tráfico de garotas. Porém, pensando que iria alcançar a liberdad...