-Eu fiquei sem minha irmãzinha e sem meu parceiro de videogame! Como eu lido com isso? Só falo com você por telefone, do mesmo jeito que falava quando estava do outro lado do mundo.
-Não é minha culpa. Nada disso é minha culpa – Loly deu um gole no seu chá verde. Tentava agradecer aos céus por seu irmão ter ligado e tirar seu foco da geladeira, mas a verdade é que estava com fome. Com muita, muita fome. Havia deixado na despensa o mínimo para sobreviver até domingo, mas estava quase avançando na comida da Allison.
Loly olhou o aplicativo que havia baixado e descobriu que ainda tinha quarenta calorias para consumir. Um tomate. Nem acreditava que podia comer um tomate inteiro. Se aguentasse mais umas duas horas, o comeria e iria para a cama e, quando acordasse, teria um dia inteiro pela frente.
-Ei? Está me ouvindo? - Dylan insistiu.
-Hã?
-Eu perguntei como isso não é sua culpa.
-Ah, porque estou ocupada – Ela respondeu, com uma impaciência que não era sua. - A Baby está super estressada com a semana da moda de Paris, e isso porque ela nem vai fazer desfile, mas a nossa mãe, a madrinha e a tia Kate vão usar roupas dela e fazer propaganda, e a Baby vai para ver as novas tendências e conseguir contatos, e enquanto isso eu ainda tenho de planejar o chá revelação do bebê da Mia...
-Oi? Por quê? - Seu irmão fez uma expressão de incredulidade no vídeo que era quase um emoji.
-Porque a Baby não tem tempo, Dylan – Loly revirou os olhos. Seu estômago doía. Literalmente e fisicamente. Ela estava acostumada a fazer todo tipo de dieta, mas não estava habituada a sentir seu estômago doer. Um lindo tomate, redondo e vermelho, ocupou toda a sua mente.
-A Baby não tem tempo de fazer o trabalho que você já faz por ela, aí te empurra mais trabalho porque não consegue fazer o trabalho que ela não faz?
-Ela faz, Dylan. Nós duas fazemos. Somos um time – Poderia comer o tomate agora e ir pra cama. Ou fazer outro chá verde, que preenchia seu estômago dolorido e ainda acelerava o metabolismo. Ou ir até o posto de gasolina da esquina e comprar mais chiclete. Isso, chiclete. - Olha, eu preciso ir.
-Está tudo bem, irmãzinha? Você está, sei lá, esquisita – Dylan franziu a testa.
Por um segundo, Loly pensou em perguntar em que sentido ela estava esquisita, mas estava com fome demais para isso. Tinha pouco tempo para decidir entre chá verde, tomate e chiclete ou enlouquecer.
-Sim, está tudo bem, mas eu realmente preciso ir. Estou morta.
Loly desligou a ligação e começou a andar pelo quarto. O dia anterior havia sido maravilhoso, ela tinha seguido a dieta de 400 calorias à risca e sem o menor problema. De lá para cá, diminuíra apenas 50 calorias. Uma pera. Dois kiwis. Uma tangerina. Uma maçã. Era para ser fácil.
O hip hop da Allison começou a trovejar e ela pensou, mais uma vez, em suas comidas na geladeira. Sua colega de apartamento tinha o estilo de vida menos saudável e mais horroroso que se poderia conceber, mas Loly tinha de confessar que, muitas vezes, só o que a impedia de avançar em suas rosquinhas e seus queijos gordurosos era saber que, se Allison desse falta de alguma coisa, chegaria rapidamente à culpada.
-Interfone!
Loly levou um tempo até perceber que Allison estava gritando do lado de fora da porta do seu quarto. Também, com a música naquela altura, era um milagre que ela houvesse escutado qualquer ruidozinho ao longe.
-Para mim? - Loly abriu a porta.
-Não estaria gritando "interfone" para você se não fosse!
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Quando a Vida Acontece
RomanceA difícil tarefa de se tornar adulto, contada a partir de três pontos de vista. Baby, que sempre foi encarada como a mais louca da turma, ou pelo menos a com gênio mais forte, se vê diante dos desafios de levar para frente um ateliê de moda e de ent...