Capítulo 34

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Loly não sabia qual era o maior sentimento, se medo ou alívio de vir às claras, de encontrar um nome para o que vivia, de poder falar de um segredo com alguém em quem confiava acima de tudo e que, ela sabia, não iria julgá-la. Que estava ali simplesmente para ajudá-la.

-Você acha que eu tenho um transtorno alimentar?

-Provavelmente – Thea disse. - Mas veja bem, Loly. Eu não sou médica. Não sou psiquiatra. Sou apenas uma curiosa.

-Então eu devo ir ao médico? - Ela temia a resposta mais que tudo. Porque a anorexia era como uma pessoa, era uma amiga. Que não deixava que ela fosse gorda e que norteava todos os minutos do seu dia, mesmo quando estava trabalhando ou com o Jake. Que não deixava que ela abusasse quando comia perto dele e que a havia ajudado a causar boa impressão na mansão da ricaça brega. Se perguntou pela primeira vez se Thea era como ela ou se simplesmente era um gênio que entendia de tudo.

-Depende. Você quer se tratar ou você quer conviver com a Ana?

-Eu posso conviver com ela? - Loly perguntou, cheia de esperança.

-Não é o que você vem fazendo há... sei lá... anos? Mas Loly, se você for ao médico e, principalmente, se você deixar a sua família te levar a um, acabou. Vão te vigiar, vão te obrigar a comer, vão te fazer engordar.

-Ninguém que me ama me faria engordar! - Ela exclamou, horrorizada.

-Experimente então ir ao check-up com a sua mãe.

Loly não experimentaria nada disso. Assim que terminou a ligação, mandou mensagem para a sua mãe, dizendo que tinha um seminário na faculdade justamente na sexta-feira e que, em seguida, começariam suas provas. Tudo bem que não havia tido aulas suficientes para que qualquer conteúdo fosse testado. Também era verdade que ela nem sequer ia às aulas, e o pouco de conteúdo que foi passado, ela não fazia ideia do que se tratava. Estava lascada, mas sabia fingir muito bem.

E, no campo das boas notícias reais, Tommy mandou mensagem. Segundo ele, os dois tinham dois trabalhos. Na realidade, um para os dois, outro para ela, de análise cromática.

-Meu Deus, eu vou ficar rica de verdade! - Ela exclamou para a tela do celular, antes de se levantar da cama e se vestir para encontrá-lo.

Lembrava de quando fez dieta pela primeira vez, do número de calça jeans que era a sua meta. Agora, vestia dois números a menos. Será que era mesmo tão magra quanto o médico dissera? Se era, por que não se sentia assim? Colocou um camisa soltinha por cima e saiu do quarto pé ante pé, os saltos na mão, mas não adiantou nada.

-Vai sair, Loly? - Allison perguntou, cantarolando da cozinha.

Desde o dia anterior, quando passara mal, morar com ela era como morar com a sua mãe. Se, claro, ela fosse filha da madrinha.

-Vou, vou encontrar meu primo.

-É? - Allison perguntou, interessada.

-O Tommy. O viking mora na Suíça.

-Ah, é. Não que eu ligue. Cachorro. Tô nem aí.

Claro. Claro que não estava, Loly, riu.

-Você está bem, né? Tirou a pressão antes de sair? - Sua colega de apartamento andava tão maternal que só faltava perguntar se ela estava levando o guarda-chuva para o caso de chover.

-Sim, tudo em ordem – Loly mentiu, calçou os sapatos e saiu.

Não era louca de passar em um supermercado, ainda mais depois que parou com o inibidor de apetite, mas comprou uma garrafa de vodca em uma loja de bebidas e foi de metrô até Bloomsbury. Como sempre fazia, Tommy espiou dentro da sua sacola.

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