Capítulo 23

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Tommy estava sentado ao piano, tocando distraidamente as teclas. Sua mãe disse que poderia guardar suas coisas por enquanto, se não conseguisse um apartamento com espaço. Perfeito, pegaria quarenta minutos de trem e faria uma baldeação, depois andaria quinze minutos cada vez que quisesse tocar o instrumento. Imaginava que o dinheiro do táxi também havia sido cortado.

É claro que havia sido cortado.

Assim como o dinheiro dos vinhos, do espumante, do filé mignon, dos pratos que ele gostava tanto de preparar. Estava reduzido a água, batata e salsicha.

O mais chocante foi ver uma crueldade puxando a outra. Começou com o raio da casa de campo e o despejo e continuou com ajuda de fome para o aluguel, daí para queda drástica em seu padrão de vida e, finalmente, a quase indigência. Certeza que, se a tia Rê não estivesse junto, ele teria dobrado a sua mãe. Ele culpava a sua família por ser assim. Havia sido criado daquele jeito, não podia fazer nada se ficara mal-acostumado. Merda, acabou de se lembrar da academia. Era uma academia cara, quem pagaria por ela? E, muito provavelmente, teria de escolher entre beber Beijo Continental com a Baby ou comprar as malditas batatas para comer. Sem contar que salsicha era a pior carne. Precisava ver se isso era ruim para o seu treino, só que aí teria de perguntar para o personal, que não podia pagar. Teria de recorrer à Angie. À bondade da família. A mesma que o tinha escorraçado como um cão sarnento,

Como se lendo seus pensamentos, o telefone tocou, mas não era a Angie. Era sua outra irmã, Lily.

-Quem é sua irmã preferida? Quem? Quem?

Tommy deu um suspiro. Ela era mesmo sua irmã favorita, mas estava melancólico. Mentalmente drenado. Com o coração em migalhas e os nervos em farrapos.

-Deve ser você, agora que tal me contar o motivo? - Ele perguntou, sem a menor empolgação.

-Sabe a Sinead?

-Quem?

-Minha melhor amiga Sinead.

-Seu melhor amigo é o Oyekunle.

-O Oyekunle e a Sinead. Você sabe, Tommy! Aquela morena que vive lá em casa e passou por uma fase de insanidade em que achou que podia te seduzir.

-Ah – Tommy riu, depois lembrou que tinha de demonstrar infelicidade em todos os momentos e ficou sério novamente. - E aí?

-Tem uma vaga no apartamento dela. E ele nem tem ratos. Nem tem goteiras. Tem uma infiltração na cozinha, mas coisa pouca.

Tommy estava tão pasmo que até esqueceu um pouco de demonstrar sofrimento:

-Você quer que eu divida o apartamento com a louca que quer me seduzir?

-Relaxa, Tommy – Lily falou, alto astral – Agora ela só seduz quem tem a mesma orientação sexual que ela.

-Onde é? - Ele quis saber, desconfiado.

-Bloomsbury.

-Humm – Soava interessante. Bloomsbury era onde ficava a Universidade de Londres, um bairro acadêmico, cultural, cheio de gente interessante, sofisticad... E então, a pergunta impensável:

-Eu posso pagar?

-Então, é para dividir o aluguel por três. A Sinead, você, e um estudante coreano...

-Gato? - Tommy perguntou antes que pudesse controlar.

-Cara, como você é tarado! Então, quanto você pode gastar? - Lily falou, sem responder a pergunta do irmão.

Era uma pergunta difícil. Quanto, de fato, poderia gastar? Sua mãe falou o valor do aluguel ridículo que costumava pagar para a tia Rê, disse que não o deixaria na mão e foi basicamente isso. Tommy repassou para Lily o que sua mãe havia dado certeza de colocar no seu bolso.

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