-Oi, sua doida.
Loly abriu os olhos um milímetro, tudo o que sua cabeça permitia. Havia chumbo sobre suas pálpebras e seu cérebro tinha virado uma bola de cimento. Estava ligeiramente inquieta, com a leve impressão de que desejava que a noite anterior não houvesse acontecido, mas não conseguia especificar exatamente a razão.
-Oi – Murmurou, a boca pastosa e com um gosto de cabo de guarda-chuva terrível.
-Andou aprontando enquanto eu não estava aqui?
Loly tentou abrir os olhos para o irmão, mas não conseguiu, então meio perguntou, meio mastigou as palavras:
-Quem me entregou?
-O balde do lado da cama. Acabei de chegar. Vim deixar minhas coisas aqui e te chamar para ir à praia, mas acho que não vai acontecer, certo?
Loly não respondeu. Aliás, ela sequer se mexeu. Na sua mente, ela dizia para Dylan que preferia dormir mais um pouco, mas na realidade não falou nem uma palavra e simplesmente tornou a apagar.
Quando acordou, a tarde avançava para o seu fim e a casa estava no mais absoluto silêncio. Escovou os dentes e tomou um longo banho no banheiro do corredor, voltando a se sentir quase descente. Colocou uma saia e uma camiseta e foi para a sala com a escova, desembaraçando os longos cabelos com cheiro de xampu. Quando chegou lá, deu de cara com Jake sentado no sofá, lendo um livro.
-Ei – Ele levantou os olhos. - Está melhor?
Loly imaginava que devia estar com muita vergonha, mas não sabia o por quê. Aqueles blackouts eram medonhos. Beber era uma delícia, não havia nada melhor que ficar com a cabeça leve, perder a timidez e o filtro. Aí chegava o dia seguinte e a absoluta falta de controle sobre o que havia feito, e a certeza de que não tinha valido a pena. Certeza que durava, claro, até a próxima festa.
-Estou.
-Quer comer alguma coisa? Hoje de manhã a gente fez compras. E ainda tem uma porrada de comida que sobrou de ontem.
-Não - Loly levou a mão ao estômago, nauseada. - Não consigo comer nada. Agora, não.
-Nem uma sopa? Eu faço pra você. Ou melhor, eu peço - Ele sorriu, pegando o celular.
Loly não sabia como recusar, pois havia sido adorável e demonstrava uma certa atenção que não havia recebido o dia anterior inteiro, ou pelo menos a parte que conseguia se lembrar. Sentou-se no sofá, próxima a ele.
-De legumes, então. Mas não pede creme. Pede sopa mesmo. Água e legumes.
-Tá, deixa eu ver se tem água e legumes na descrição.
-Pede para tirarem a batata.
-Ok – Ele riu, divertido, e em seguida coçou a cabeça. - Você fala espanhol? Está tudo em espanhol aqui.
-Não - Loly respondeu, um pouco decepcionada. A verdade é que estava mesmo com fome. Se pudesse tirar a batata da sopa. E fosse água e legumes. - Vou pegar meu celular também e a gente vai vendo no Google Tradutor.
-Boa!
Eles passaram pelo menos os próximos vinte minutos tentando fazer o pedido, achando no aplicativo um restaurante que tivesse sopa, traduzindo as alterações necessárias, e se perguntando se não era mais fácil ir até o supermercado mais próximo, comprar os legumes e cozinhar em uma panela de água. Loly, que só tinha bebido água naquela casa, e ainda assim porque algum anônimo de bom coração tinha sido generoso de deixar uma garrafa e um copo ao lado da sua cama, vasculhou os armários e achou um jogo americano azul claro e um bonito bowl de cerâmica. Jake abriu uma gaveta e tirou uma concha e uma colher de sopa. Quando tocaram a campainha, ele foi receber a entrega e voltou com uma embalagem, que abriu e imediatamente fez uma careta.
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Quando a Vida Acontece
RomansaA difícil tarefa de se tornar adulto, contada a partir de três pontos de vista. Baby, que sempre foi encarada como a mais louca da turma, ou pelo menos a com gênio mais forte, se vê diante dos desafios de levar para frente um ateliê de moda e de ent...