02° Capítulo. Small Town Boy.

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02° Capitulo.

Small Town Boy.

Depois de algumas semanas tomando um tempo para mim, aprendendo a cozinhar com a minha vizinha D. Neide e ajudando na associação dos moradores junto com Rose, eu tentava ocupar ao máximo a minha mente para me distrair da dor e da solidão... eu não olhava mais as redes sociais, nem me interessava mais pelas fofocas dos meus ex-amigos de Alphaville, queria viver sossegada, longe de toda aquela falsidade e hipocrisia que eu tinha que engolir e fechar meus olhos para aguentar viver "feliz". Vira e mexe, Julia me liga e fala sobre como Belinda, a atual mulher de Daniel, tenta se aproximar dela, como Bernardo tenta ao máximo falar somente o necessário com Daniel no trabalho, que tenta saber algo sobre mim, coisa que faz alguma coisa dentro de mim se agitar e doer, como um espinho dentro da carne.

Nem sei como vai ser quando eu voltar ao condomínio no mês que vem para o aniversário de Charlote. Não sei se estou preparada para encarar minha antiga vida. Tirei todos os dias de férias acumulados que eu tinha e, tecnicamente, ainda estou de férias depois de um mês e meio aqui. Queria, no mínimo, um pouco de estabilidade antes de voltar a atender meus pacientes.

Mas a vida é uma cadela e ela não espera você estar pronto. Ela te joga as coisas como ondas em meio à tempestade. Quando recebi aquela ligação, me senti um pouco balançada. Eu não pude entender como isso era possível. Depois de olhar várias vezes para ele, eu não sabia que poderia ser realidade... Depois de anos sozinha, descobri que não era assim.

Seus pés pequenos balançavam na cadeira, o olhar curioso não perdia o movimento das pessoas à nossa volta. Seus dedos pequenos estavam agarrados às laterais da cadeira. Ele tinha algo de familiar, algo de mim... Rafael tem apenas cinco anos, filho da minha meia-irmã que acabei de descobrir. Ao que parece, meu pai, antes de se casar com minha mãe, teve uma namorada que se mudou para o sul após o término. Lá, descobriu a gravidez, mas usou isso para se casar com um cara rico da cidade. Depois de alguns anos, decidiu contar toda a verdade, mas essa tal Lúcia Silvana Lima teve um acidente de carro. Ninguém sabe quem é o pai do menino, não tem avôs maternos ou paternos e ele veio para mim.

Ele não tem mais ninguém assim como eu, e eu não poderia mandá-lo embora. Conversando com a assistente social, ela pôde me contar que o menino é quieto, quase não fala. Estava um pouco desnutrido porque a mãe do menino tinha sérios problemas com vícios. Deixei Bernardo falando com a assistente social e fui falar com ele. Me abaixei à sua frente e aqueles lindos olhos castanhos me fitaram, e ele sorriu. — Oi, tudo bem Rafael?

— Oi, é você quem vai cuidar de mim? — Sua linda voz rouca e infantil me cativou, e eu senti vontade de chorar.

— Eu sou Katharine e, pelo que me disseram, eu sou a sua tia. Espero que possamos cuidar um do outro. — Ele sorriu para mim daquele jeito doce que as crianças costumam fazer. O peguei no colo e acariciei seus cabelos cacheados que cheiravam a suor. Me afastei um pouco e olhei bem para ele. Suas roupas estavam desgastadas, e seus cabelos bonitos tinham algumas lêndeas. Seu sapato estava meio aberto do lado, sua "mala" era pequena e, pelo visto, com roupas velhas. Agora, eram apenas onze horas da manhã, e provavelmente ele devia estar com fome.

Olhei para meu amigo, assinando papéis. Eu queria sair dali e levar o menino para almoçar e, depois, comprar roupas novas, alguns brinquedos, móveis para o quarto que ele vai ficar... São tantas coisas que ele precisa. Eu estava distraída pensando em tudo o que eu tinha que fazer que acabei não notando quando o menino encostou a cabeça na curva do meu pescoço e começou a brincar com os enfeites da minha blusa e chupar o dedinho. Comecei a ninar ele e afagar seus cabelos. Quem liga se ele tinha piolho? Ele era uma criança sozinha e, pelo visto, muito carente. Não pude evitar de sorrir ao pensar como a vida é uma cadela bipolar. Em meio à escuridão do momento em que tenho vivido, ela me mostrou uma faceta benevolente só pra me sacanear. Quando eu achei que estava sozinha, sem parentes, essa surpresa incrível apareceu para mim.

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