Capítulo 5 - O Mercado Norte

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Não planejei nada disso, mas quando dou por mim o sol está quase se pondo e as pequenas luzes à minha frente indicam que cheguei ao Mercado Norte. Paro às portas do mercado com suas carroças, barracas e casebres, todos iluminados por varais coloridos de onde balançam lanternas redondas, enfeitadas com fitas. Um andarilho puxando uma mula passa por mim e me olha dos pés a cabeça de um jeito que me deixa desconfortável antes de sumir em meio à multidão.

O Mercado Norte não é onde se compra comida, embora esteja repleto de barracas de onde sai fumaça e se desprende um cheiro pungente de gordura, mas o tipo de lugar onde se compra diversão... E outras coisas que você não deveria estar comprando. Como mulheres e bebidas.

Reparo que alguns homens estão amontoados na porta de uma casa e no andar de cima mulheres seminuas acenam para eles. Engulo em seco. Eu não deveria estar aqui. Lugares como o Mercado Norte funcionam muito mais a noite do que de dia e este é exatamente o horário em que uma moça não deve estar perambulando sozinha.

Dou meia volta, notando pela primeira vez que passei mais tempo do que imaginava parada ali observando a multidão e agora o céu já escureceu. A luz das lanternas não me permitiu perceber que a noite avançava sobre mim, de forma que agora é tão perigoso voltar pela estrada quanto ficar no Mercado.

Empurro para longe o pensamento sobre a preocupação de minha família, procurando me concentrar em soluções práticas. Há uma jovem parada entre uma barraca de comida e uma de quinquilharias com várias máscaras amarradas em barbantes parecendo fantasmas com olhos vazios. A jovem ostenta um vestido cor de rosa estampado com magnólias e amarrado com uma faixa verde, aberto até abaixo do peito. O rosto dela está todo pintado de branco e os olhos maquiados, o batom está borrado, mas ela não parece se importar. Está flertando com um homem e de todas as pessoas ela parece ser a menos amedrontadora. Uma mulher é sempre uma opção mais segura, é o que minha mente repete incessantemente.

Quando paro na frente dela recebo um olhar de esguelha não muito convidativo, mas não recuo. Ela me analisa de cima a baixo com desdém, relutante em desviar a atenção do homem da barraca ao lado.

— O que você quer?

— Preciso de um lugar para passar a noite. Não sou daqui e não posso voltar agora. Pensei que talvez você pudesse me indicar onde ficar — Respondo com cautela. Ela arqueia uma sobrancelha castanha e chego a pensar que não irá me responder, mas de repente ela aponta para uma casa escura, enfiada entre dois estabelecimentos, sendo um deles uma taverna cheia de homens cantando.

— Você pode conversar com a Mama. Ela sempre tem espaço para mais uma. — Algo no sorriso ferino dela não me consola e, obviamente, não sou tão ingênua a ponto de não entender sua insinuação. A casa de uma Mama que sempre tem espaço para mais uma com certeza não é a acolhedora pensão de uma matrona. Posso saber disso mesmo antes de pôr os pés lá dentro.

Agradeço a jovem que imediatamente se debruça na direção do homem, voltando a flertar. Ora, comparado com isso meu comportamento na casa de chá não foi nada. Por que não posso ser considerada uma mulher para se casar? Eu certamente posso aprender a me comportar de forma mais comedida... Não precisava ter sido tão duramente criticada.

Ou talvez eu que tenha reagido de forma exagerada...

Olho por cima do ombro, mas fora do halo de luz das lanternas a estrada é um breu perigoso e selvagem. Só não sei se tão selvagem quanto os bêbados que jogam cartas e dados, gritando insultos uns para os outros. Alguém tenta agarrar meu braço e me apresso para dentro da casa da Mama com o coração disparado.

— Ora, ora, parece que temos uma corça perdida aqui hoje. — Diz uma mulher de voz grossa e áspera. Quando me viro dou de cara com uma senhora com cabelos grisalhos mergulhada em uma nuvem de fumaça que sai de sua cigarreira. Ela contorna um balcão de madeira e vem na minha direção.

— Em que posso ajuda-la, meu bem?

— Preciso de um lugar para passar a noite.

— Sozinha? — pergunta a mulher arqueando as sobrancelhas. Meu rosto esquenta e ela gargalha de minha vergonha. — Ora, ora, muito bem. Você tem dinheiro?

Instintivamente toco os bolsos, mas sou recompensada com o vazio silencioso das camadas de tecido. Em um lampejo lembro que deixei as moedas em cima da mesa, devolvendo-as para seus donos.

Não sei o que fazer. O desespero me consome exatamente como quando ouvi o comentário dos soldados. Não tenho dinheiro, não sou um bom partido, a casa de chá está falindo e nem o tio Chen tem dinheiro para nos ajudar. E agora estou perdida no Mercado Norte.

Eu enterro o rosto nas mãos e quando dou por mim estou sentada no chão da Mama chorando convulsivamente.

— Ora, vamos, não há motivo para isso — protesta a Mama com escárnio na voz. — Você é uma jovem muito bonita, não precisa se preocupar com nada. Com a sua beleza eu estaria ganhando um mar de dinheiro!

O comentário dela só aumenta ainda mais minha angústia.

— Alguns homens disseram hoje que não sou uma mulher para casar. — fungo e enxugo o rosto com a manga da roupa, que agora está úmida.

— É porque você é bela demais. Isso intimida os homens. Eles pensam que não irão dar conta do recado — olho para cima e a vejo me lançar uma piscadela maliciosa. — Uma mulher como você poderia estar enfeitiçando o próprio imperador em uma cama luxuosa e não aqui, chorando na minha porta.

— Eu não quero enfeitiçar o imperador — resmungo abraçando meus joelhos ao encontro do peito. Sei que estou sendo infantil, mas me sinto tão desamparada — eu só queria estar em casa. E queria que meus problemas desaparecessem.

Mama dá uma longa baforada em seu cigarro, mexendo na barra roxa de seu vestido.

— Diga-me, seus problemas seriam resolvidos com dinheiro?

— É claro que sim — resmungo com um muxoxo.

— Então pronto, não precisa mais chorar. Venha, menina — ela se curva para pegar meu braço, então me puxa para cima. Atordoada eu a sigo em direção aos fundos da casa que se abre para um corredor de madeira cheio de portas. A Mama escolhe uma, que destranca usando um molho de chaves enorme e me guia para dentro.

É um quarto modesto com lanternas nas paredes, uma pequena cama estreita, uma mesinha com uma bacia, um jarro com água e um pano, e uma penteadeira com um espelho. A janela tem grades de bambu e uma cortina fina. O lugar me causa arrepios.

— Você pode ficar aqui e eu lhe arrumarei clientes. Clientes que irão lhe pagar muito bem. — Ela dá uma piscadela. — Será bom para você, será bom para mim e será muito bom para os rapazes. Resolvemos os problemas de todo mundo assim.

— Mas...

— Confie em mim. Você vai gostar.

Ela fecha a porta antes que eu possa protestar e ouço a chave virar na tranca. Estou presa. Fui tola o bastante para cair em uma armadilha.

Acho que agora sim posso me considerar uma cortesã do Mercado Norte em ascensão.

Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora