Capítulo 26 - O imperador

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Ele conseguiu!

Jun está rodeado de pessoas, Nianzu está livre, o Regente e seus apoiadores foram presos. Creio que o príncipe Arjun, agora o imperador Dragão, é o mais querido governante que este império já viu, pelo menos se considerarmos o tamanho da festa que está acontecendo. Minha profecia de que Jun seria um grande imperador caminha a passos largos para acontecer.

Os guerreiros da Montanha e os soldados do palácio estão festejando juntos. Dan Dan já apertou a bochecha de JunJun umas cinquenta vezes, aproveitando que a emoção do momento permite que ela aja com intimidade com ele. Embora eu não acredite que alguma coisa irá mudar em sua relação agora que Jun foi coroado.

Eu, por outro lado, estou dolorida depois de enfrentar os soldados para proteger Nianzu e me tornei invisível. Embora algumas pessoas estejam curiosas sobre a estranha mulher que entrou na batalha, a maioria já se esqueceu de mim depois que o imperador tomou seu lugar de direito, o que me deu tempo para assistir ao desenrolar dos fatos em silêncio. Sei que em algum momento se lembrarão de mim de novo e não sei o que Arjun irá decidir.

Tampouco eu sei o que deveria fazer.

Enquanto o palácio fervilha em comemoração eu deslizo silenciosamente de volta para o pavilhão do príncipe, onde tudo está mais calmo. Volto para meu antigo quarto ao lado do de Jun, resistindo ao impulso de entrar no quarto dele. Lá eu tiro as roupas que peguei de Liling, visto uma túnica folgada e calças de algodão. Tenho um pouco de unguento na gaveta ao lado da cama e aproveito para passar em meus machucados.

Quando termino caio cansada na cama, a cabeça afundando no travesseiro e por trás das pálpebras fechadas a visão encantadora de Arjun, o imperador, sorrindo e cumprimentando seus súditos. Arjun, meu Jun, discursando para seu povo, mandando prender os generais que não o seguiram, exilando o Regente, libertando o povo da Muralha. Muito ainda terá que ser feito, hoje foi só a cerimônia, mas Jun já tem um brilho diferente.

Hoje podemos todos dormir em paz.

Acordo com a noite já cobrindo o céu, seu manto de estrelas celebrando o novo império. Jun deve estar ainda no palácio principal com seus aliados e seus súditos. Imagino a felicidade que os deve cercar sem conseguir me imaginar parte do cenário. Agora que tudo acabou eu não sei o que deveria fazer. Não posso mais ser o capitão Shang e não sei se quero continuar sendo um soldado, afinal eu nunca o fui de verdade embora tenha aprendido a ser. Eu o fiz primeiro para ajudar minha família, depois para salvar Jun... E agora?

Jun também não precisa mais de mim. Ora, ele é o Dragão! E agora o imperador. Não há mais espaço em sua vida para mim.

Ouvindo ao longe a música da festa do imperador, desisto de resistir a tentação e abro a porta que leva ao quarto de Jun. Tudo está silencioso e vazio. Não me dou ao trabalho de acender nenhuma luz, permitindo que apenas a luz do luar se infiltrando pela varanda aberta ilumine meus passos.

Ao lado da cama está o manto negro do Dragão, caído e esquecido. Eu o pego, passando-o por meus ombros. Tem o cheiro de Jun e de um mestre mascarado que me ensinou a lutar na calada da noite. Uma lágrima solitária escorre por minha bochecha sem que eu saiba dizer se estou triste ou feliz.

À meia noite fogos de artifício tingem o céu de colorido, encobrindo as estrelas. Eu assisto ao espetáculo debaixo da cerejeira, com os pés mergulhados no lago e a capa de Jun ao redor dos ombros. Ao fundo, bem distante, consigo ouvir os vivas em homenagem ao imperador, cantados por milhares de vozes dentro e fora do palácio.

— Estive procurando você.

A voz flutua perto de mim e me levanto sobressaltada. Jun está parado próximo da cerejeira com os braços nas costas. Ainda está vestindo a mesma roupa, mas agora está parecendo mais cansado, com o cabelo desalinhado e a camisa amassada. Ele senta ao meu lado com um suspiro, convidando-me a voltar para meu lugar.

— Por que está aqui sozinha? — ele insiste quando não respondo.

— Precisava descansar um pouco e pensar.

— Hum. — ele assente, não muito convencido. — foi um grande dia hoje, não foi?

Assim como fiz um dia com o príncipe que não conseguia falar, entrelaço meus dedos com os dele, apertando brevemente.

— Você é o imperador. E fez um grande discurso. — sussurro. — Foi um dia magnífico!

Sinto meus olhos marejarem e rezo para que a escuridão impeça Jun de notar. Ele ri suavemente, levando minha mão entrelaçada a sua aos lábios, onde deposita um beijo.

— Tudo graças a você, minha capitã. Você foi muito valente e corajosa. E linda — ele acrescenta depois de um momento com um olhar malicioso.

Coro, desviando o olhar. As coisas não parecem mais as mesmas. Jun de repente parece estar muito longe de mim, inalcançável. Sou a garota de um vilarejo muito pequeno e afastado, a garota que ajudou a coroar um imperador e desapareceu na sombra da história dele.

— Amanhã quero apresenta-la oficialmente aos súditos. Contar sua história a eles e agradecer publicamente por tudo que você fez, não só por mim, mas para todo o império. — seus dedos buscam meu rosto, virando-me para ele. — Qingshan, o que você gostaria de ser? O que quer por tudo o que fez?

Ele quer pagar meus serviços? Quer me recompensar? A ideia me machuca de uma forma sutil que me impede de nomear a emoção que a acompanha.

— Estou feliz por você, alteza. É tudo o que importa. — sussurro, fazendo-o recuar.

— Alteza, não. Eu sou Jun, lembra?

— Você é o imperador agora.

— Mas nada mudou entre nós! — ele argumenta.

Eu o encaro demoradamente e, de alguma forma, sei que é um adeus.

— Você é o imperador e o Dragão, o príncipe frágil que eu conheci não existe mais, não tenho mais utilidade. E eu... Eu nunca fui o seu amigo capitão. Nós sempre fomos uma farsa. Não nos conhecemos além de nossas máscaras.

Ele balança a cabeça, inconformado com minhas palavras.

— Não importa o nome que use, eu conheço você. Confio em você! Se quiser continuar sendo soldado posso providenciar, se quiser morar no palácio, se...

— Eu não quero nada disso.

De alguma forma a lista de possibilidades que o imperador desvela para que eu escolha só me faz sentir mais estranhamente inadequada e constrangida. Quando levanto para me afastar, Jun acompanha meu movimento, segurando-me pelo braço, impedindo minha fuga.

— O que você quer de mim então, Qingshan?

É uma boa pergunta e é ela que me assusta, pois não sei a resposta. Não sei o que quero dele, mas sei que espero alguma coisa. A cada momento que não alcanço esse desejo silencioso envolto em mistério e dúvida, pior me sinto. Piores as coisas ficam como se meu mundo particular estivesse ruindo e virando de cabeça para baixo em meio a uma grande comemoração cheia de esplendor.

Jun continua me segurando no meio do gramado, nossos olhos sem se desviar um do outro. Ele espera pela resposta que não tenho para dar. Espera e espera. Quando finalmente entende que não a ouvira, Jun dá um passo em frente, sem hesitar, e me beija.

Eu gostaria de dizer que resisto a seu beijo, mas a verdade é que derreto em seus braços, cheia de sentimentos conflitantes que me enchem de medo e entusiasmo.

Nós de alguma forma percorremos o espaço que nos leva até o interior do quarto, direto para sua cama. Nossas roupas desaparecem como o truque de um mágico habilidoso e nossos corpos estão entrelaçados como um nó bem feito. Os dedos de Jun se enterram entre meus cachos curtos, puxando minha cabeça para trás para que me minha garganta fique exposta para a exploração ávida de sua boca. Os longos cabelos de ébano dele nos cobrem como uma cortina, roçando meu peito, fazendo estrelas dançarem em minha pele.

Nossa respiração se mistura, nossas bocas conversam silenciosamente e nossos corpos dançam em um ritmo muito antigo.

Ao final da noite estou dormindo com o imperador.

Pela última vez.


Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora