Capítulo 14 - Jun

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Por um instante não sei o que fazer, nada passa pela minha cabeça, sequer medo. Inspiro devagar, tentando trazer algum pensamento racional de volta ao cérebro e me ajoelho ao lado do príncipe. Suas mãos delicadas estão envoltas em finas luvas que deixam seus dedos de fora. As mãos dele também estão manchadas de sangue. Eu o imagino tocando algum ferimento causado pelo Dragão, talvez uma adaga enfiada embaixo das costelas, pegando-o de surpresa, como fui ensinada a fazer com o inimigo. Me pego imagino o susto do príncipe... Ele parece muito jovem e frágil.

Não sei se posso tocá-lo. Sei que sempre o imaginei como um governante não muito eficiente e talvez facilmente manipulável, mas agora que estou frente a frente com ele sinto-me diante de uma divindade, afinal os imperadores são os escolhidos pelos deuses, não é o que dizem? Este jovem de longos cabelos negros e rosto de porcelana é o poder máximo do império. Ainda assim não posso ficar parada contemplando-o eternamente. Eu me decido e estou a meio caminho de tocar seu rosto de alabastro quando suas pálpebras tremem. O príncipe abre seus grandes olhos de corça.

Estou imóvel, presa pelo seu olhar. Minha mão continua parada próxima à face dele e nenhum de nós se move. Vejo doçura e insegurança nas profundezas escuras, e algo mais. Algo oculto e incerto que desaparece rapidamente quando ele pisca. Espero uma reação, minha ou dele, de quem tiver a capacidade de sair primeiro dessa armadilha, mas nenhum de nós faz nada para quebrar o encanto e me pergunto o que ele está vendo em meu rosto mascarado de soldado.

— Shang!

O grito vem de Ren, que está atravessando o jardim. Atrás dele vêm mais soldados, todos com espadas em punho e sede de sangue nos olhos. Eu ergo as mãos, ainda de joelhos.

— É o príncipe! — alerto, caso eles não tenham reparado que a figura junto de mim não é o Dragão — ele está ferido!

Como se eu tivesse invocado uma maldição proibida todos os soldados param abruptamente no meio do gramado, nenhum deles ousando pisar nos degraus do templo. Aparentemente nenhum deles sabe se pode se aproximar do príncipe sem autorização expressa. Eu me pergunto se não existe um protocolo para ataques a ele, mas os guardas não querem entrar no templo de jeito nenhum. O príncipe odeia estar rodeado de pessoas e o Regente já puniu muitos por invadir o espaço pessoal de vossa alteza sem prévia autorização.

Fico sabendo de todas essas informações em uma enxurrada de palavras, enquanto os soldados debatem entre si. Parte deles nem ficou para decidir, simplesmente seguiu investigando rastros do Dragão ao redor do Templo.

Abaixo o olhar em busca de orientação, mas o príncipe voltou a fechar os olhos como se não quisesse participar de nada disso, e de preferência pudesse sumir. Há até um vinco entre suas sobrancelhas, como se ele pudesse desaparecer se fizesse bastante esforço.

Engulo uma imprecação e o comentário que eu gostaria de fazer em voz alta, mas estou me preparando para botar ordem nessa situação quando sou interrompida. Uma voz feminina, forte como uma tempestade, faz com que os soldados abram passagem. Uma mulher com aspecto de matrona, vestindo saia laranja com uma faixa de mesma cor ao redor da cintura, e muitas joias coloridas, até mesmo no coque grande no alto da cabeça, vem em nossa direção arfando. O príncipe abre os olhos quando ela se abaixa de frente para mim me ignorando.

— Oh meu pobre JunJun! — diz ela, se debruçando sobre ele. Eu só consigo franzir a testa. O príncipe Arjun, que até então estava brincando de morto no chão do templo, senta mais do que depressa e abraça a matrona. Ela o aperta pelos ombros, chacoalha perguntando se está bem e o rosto de alabastro do príncipe vai se alterando aos poucos de neutro para apavorado até que de repente ele está hiperventilando.

Sem fazer um som que seja.

O príncipe faz gestos com as mãos, indicando ele mesmo o templo, parecendo muito dramático. A matrona está traduzindo simultaneamente e levo um instante a mais do que deveria para entender o que estou vendo:

Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora