A masmorra fica no coração da Montanha, debaixo do castelo. Há apenas uma pequena janela com uma vista vertiginosa para o abismo. Eu grito e grito, de fúria e desespero, até minha garganta ficar seca e minha voz rouca. Tento agarrar as grades da janela, mas obviamente elas são mais fortes que meus punhos e continuam no mesmo lugar.
Lágrimas de exaustão escorrem por minhas bochechas fazendo arder o corte que a adaga de um dos soldados do Dragão me fez. Quando não há mais nada a ser feito apenas me deixo cair no chão, em posição fetal, e é onde eu fico observando a luz mudar no céu. O pôr do sol visto daqui deve ser maravilhoso, mas não consigo reunir forças para me deslocar até as grades da janela de novo. Só fico no chão de pedra imaginando Arjun, tentando encontrar um meio de salvá-lo, rezando aos deuses para que o protejam.
— Falhei com você — eu murmuro — me perdoe, Jun. Me perdoe... Eu nem deveria estar no palácio. Eu nunca deveria ter te levado para fora. — A culpa me atravessa em ondas avassaladoras, quase me tirando o fôlego.
Penso em minha família, minha mãe, tio Chen, Ru Shi. Todos devem estar tão preocupados e onde eu estou? Presa na Montanha, deixando o príncipe herdeiro vulnerável. Deuses, que grande bagunça arrumei para minha vida!
Quando estou cansada de chorar levanto-me e vou até a mesa encostada na parede do canto, ao lado do estrado. Há uma jarra com água sobre ela e me obrigo a beber um pouco. Enxugo os olhos que ardem e me perco em pensamentos encarando a parede cinza vazia. Um barulho na porta me tira do transe, embora eu não me mova. Um soldado entra cuidadosamente na cela. Ele coloca um prato de sopa ralo na minha frente com um pedaço de pão e espera que eu coma.
Sei que a comida é esparsa na Montanha, então não faço essa desfeita. Sorvo uma colherada e o soldado parece relaxar um pouco. Ele se veste com couro e lã, tem parte dos cabelos raspados e parece um tanto jovem, mas seus braços são fortes e sei que eu jamais venceria uma briga com ele, portanto abandono a ideia de dominá-lo para escapar.
Passamos algum tempo assim, com ele me observando comer, sem que me anime ou me incomode o suficiente para questioná-lo. Quando estou quase acabando minha refeição ele se desencosta da parede e pigarreia.
— Mestre Nianzu deixou ordens para que eu o libertasse quando a luz do luar tocasse a Muralha. — ele diz, abrindo a porta e jogando o molho de chaves em cima da mesa. Pisco estupefata procurando uma armadilha.
— Por que ele faria isso?
— Porque gostou de você e confia que fará a coisa certa. — o jovem soldado olha para baixo, então diminui o volume da voz — mestre Zhou é muito honrado e devemos tudo a ele, mas desta vez ele está errado. O imperador não deve usar uma máscara, deve ser o herdeiro legítimo.
Fico em pé prontamente, agarrando o jovem pelos braços. Ele não reage.
— Está me dizendo que Nianzu quer que eu salve o príncipe?
Ele assente.
— Mestre Zhou, mestre Nianzu e mais vinte de nossos guerreiros atravessaram a Muralha e devem chegar ao palácio em três dias. Entrarão pelo sul, pelo pavilhão do príncipe. — ele me interrompe antes que eu possa falar, seu olhar é firme — sim, nós conhecemos o palácio, mestre Zhou desenhou as plantas.
Eu seguro o rapaz pelas mãos, grata por sua confiança.
— A Montanha seguirá o príncipe Arjun?
O rapaz sorri como se eu tivesse falado a coisa mais óbvia do mundo.
— É claro que sim.
— E quanto ao Dragão?
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Qingshan e o imperador
RomanceO imperador está morto, o Regente não se importa com o povo e o príncipe não é capaz de governar. Nesta releitura da balada de Hua Mulan, a família de Li Qingshan não possui homens e as coisas estão cada vez piores para ela e sua mãe. Quando mergulh...