Capítulo 12 - A morte do príncipe

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Uma semana se passou até eu finalmente poder voltar ao acampamento, onde os recrutas constroem dia após dia a barragem, deixando o rio do lado de lá da Muralha cada vez mais fino. Meu tornozelo sarou rápido, mas gastei muito tempo ajudando com os feridos do incêndio. Nianzu e eu levamos todos para o velho palácio e os alojamos da melhor forma possível. Os deuses deviam estar olhando por nós, pois nesse dia choveu e conseguimos encher nossas reservas. Pelo menos por mais alguns dias não iremos morrer de sede.

Hoje estou observando os novatos, com um olho mais atento no soldado que me ajudou. Ele me intriga. O mais surpreendente de tudo é o fato de que ele não só cumpriu com a palavra de deixar mantimentos do lado de fora da Muralha como também, durante a noite, desfaz parte do trabalho feito durante o dia. Já estou aqui há duas horas e ele está desmontando a barragem, derrubando pedras, escondendo outras, estragando material. Pequenas coisas que irão atrasar a obra.

Em determinado momento o arqueiro responsável por incendiar a carroça, Ren se não me engano, se junta a ele. Os dois não trocaram nenhuma palavra, apenas demolem parte da construção, escondem as provas e seguem seus caminhos. Estou realmente surpreso. Agora Ren foi para seu posto de vigia na Muralha e o novato está sentado na beira do rio, olhando seu reflexo.

É o momento em que decido abordá-lo.

Escorrego para o chão e dou um silencioso passo em sua direção. Seu olhar está tão perdido na água que demora um instante para ele notar minha figura assomando sobre ele. Quando nota dá um salto que quase o derruba.

— Tem certeza que você é um soldado? — pregunto, porque não resisto a atormentá-lo e sei, desde o nosso encontro no incêndio, que essa pergunta o incomoda. Ele estreita os olhos com gana assassina, esse baixinho.

— Parece que você já está melhor. — Ele diz em tom de acusação.

— Estou. Obrigado pela preocupação. — Eu perambulo pela margem do rio, me mantendo sempre oculto pela sombra das árvores, de forma que quem está de vigia não consiga me ver. Tanto eu quanto o soldado mantemos nosso tom de voz baixo.

— Como pode ver não armei uma cilada para você. — Ele pontua e noto certo rancor em sua voz.

O baixinho é realmente bravo, não?

— De fato. E estou surpreso por estar sabotando o império. Sabe que isso é alta traição, certo?

Ele dá de ombros, jogando uma pedrinha na água.

— Também devia ser alta traição deixar seu povo morrer de sede. E de fome.

Aquele comentário me intriga, então me junto a ele na margem, confiando que a mesma pessoa que me deixou escapar uma vez e não alertou os guardas agora, além de estar sabotando deliberadamente os projetos do Regente, não pode ser alguém que irá me atacar neste momento, no mano a mano.

Embora eu duvide que ele seja bom de luta.

— Então você considera o povo da Montanha parte dos súditos do reino. Fazia tempo que não ouvia isso. Aliás, parece que ninguém mais se lembra disso.

Ele está rodando um graveto entre dois dedos e o aponta casualmente para mim.

— Por que está tão surpreso? Você me ensinou isso!

— Por que insiste em dizer que eu te digo coisas? É a segunda vez. — Ele se encolhe e não resisto a rir. Esse garoto é tão frágil e ingênuo que eu poderia jurar que ainda é uma criança. Ele não pode ser um homem. Aposto que sequer tem barba embaixo dessa máscara e a voz dele é forçada, não é tão grave quanto ele quer que pareça, mas não vou ofender sua masculinidade. Sei que um dia ele vai ser o homem que tão desesperadamente quer ser. — Já sei. — Estalo os dedos já que agora ele parece estar muito constrangido pelo meu comentário. — Você é um fã!

Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora