Capítulo 23 - Os olhos

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— Você me entendeu, Nianzu? — pergunto não pela primeira vez e igualmente não pela primeira vez meu amigo de longa data desvia o olhar antes de responder. Ela está contrariado comigo, sinto que está me escondendo alguma coisa, embora eu não saiba dizer o que. Estamos no muro dos fundos do palácio, no jardim do pavilhão do príncipe. A meus pés está aberta a passagem secreta que construí dois anos atrás com a ajuda de um soldado infiltrado. De tempos em tempos eu trago alguém para o palácio ou para a Muralha, depois os levo de volta. Ser um agente solitário é arriscado, mas deixar alguém da Montanha no palácio por tempo demais é expô-los, e me expor, a um perigo desnecessário, então não o faço com frequência.

A passagem subterrânea fica escondida embaixo de uma estátua quebrada, nós a empurramos e revelamos o alçapão, no qual agora estou parcialmente mergulhado.

— Nianzu? — insisto, segurando a tampa de madeira sobre minha cabeça. Meu amigo ajoelhado a minha frente finalmente suspira e assente.

— Vamos esperar seu sinal, entrar pela passagem e pegar o príncipe. — ele recita como uma criança mal humorada.

Satisfeito, eu fecho o alçapão e acendo minha lamparina seguindo pelo corredor estreito. Há degraus de pedra, mas tudo muito precário. O trabalho apressado de um homem com pouca ajuda. Meu corredor secreto desemboca diretamente no interior do templo do príncipe, atrás das placas de mármore com as gravuras dos deuses ancestrais. Yan me aguarda na entrada e se apressa para o interior do templo quando me ouve. Eu o infiltrei entre os novatos antes mesmo de virem para o palácio sem levantar nenhuma suspeita e devo dizer que até então ele foi o infiltrado com maior destaque e sucesso que já coloquei aqui. Até de Shang ele se aproximou.

Ah sim, ele também foi o responsável por espalhar e inflamar mais boatos sobre mim.

— Como estão as coisas por aqui? — pergunto espanando a poeira de minhas roupas e ajusto a máscara que ficou torta quando mergulhei no túnel. Um vento frio entra pelas frestas do templo e o céu começa a ficar cinzento ao sul, anunciando chuva.

— O príncipe ficou no quarto pelos últimos quatro dias, sem querer ver ninguém e ninguém o interrompeu. — ele relata. — Eu estive de guarda no pavilhão junto de Ren, Kim e Nuo.

— E Liling?

— Está frustrada e cuspindo abelhas pelos corredores, mas seguimos as ordens de não deixa-la chegar perto do quarto do príncipe.

Não resisto a um sorriso. Como Yan não pode vê-lo através da máscara, dou um tapinha em seu ombro.

— Perfeito. Algo mais que eu precise saber?

Ele se mexe inquieto e sei que não vou gostar do que virá.

— Recebemos um alerta. Capitão Shang parece ter invadido o palácio... Há guardas inspecionando todos os aposentos atrás dele.

Era tudo o que eu não precisava! Mas pelo menos agora sei o que Nianzu estava tramando. Eles vão fazer todo o possível para me atrapalhar, mas não irão conseguir. Meu plano está formado. Shang e Nianzu podem fazer o que bem entenderem. Vou dar um sumiço em Arjun hoje e pegar a coroa custe o que custar.

Estou bufando e trincando os dentes, mas me forço a voltar a mim. Yan me olha assustado.

— Quanto tempo até a cerimônia começar?

— Meia hora, senhor.

Ótimo. Meia hora. Eu mal vou ter tempo. Não posso cruzar com Shang de forma nenhuma!

— Impeça-o de vir ao pavilhão. Espalhe boatos de que o príncipe está em qualquer outro lugar do palácio. Você sabe que Shang irá aonde ouvir que Arjun está.

Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora