Capítulo 21 - A máscara dourada

43 8 0
                                    


Não estava em meus planos trazer Shang comigo, isso foi completamente improvisado. Assim como fazer uma oferta de salvação para o príncipe. Oferta esta que espero que Shang aceite até a noite acabar.

Nós cavalgamos silenciosamente até a Muralha. Eu o ajudo a atravessá-la e a andar de forma furtiva pelo descampado até o primeiro afloramento rochoso onde as sentinelas não poderão nos alcançar caso nos vejam e decidam atirar. O dia já está exibindo seus dedos cor de rosa. Estou assumindo muitos riscos e confiando cegamente no capitão quando lhe mostro nossas passagens secretas, os sulcos entre a pedra que formam corredores profundos com passagens estreitas, mas que nos levam diretamente para fora do alcance dos soldados do imperador.

Eu o ensino a descer por uma gruta dentro de uma montanha até chegar aos degraus de pedra que desembocam do outro lado da cordilheira, no Vale de Cristal, como o chamamos. Em algum momento este lugar foi um vulcão, mas hoje é um palácio construído sobre veios de obsidiana, com paredes de vidro, madeira e pedra, escavadas nas próprias paredes anciãs do vulcão adormecido.

— Bem vindo a Cidadela da Montanha — eu digo sem conseguir esconder o orgulho em minha voz enquanto o guio pelas ruas serpenteantes do apinhado de casas que compõe a antiga cidade principal de meu povo. — Hoje ela está desfalcada, mas no passado já foi majestosa. Era a cidade da imperatriz, não se esqueça.

Degraus de pedra polida formam todo o caminho até o topo da montanha onde fica o castelo. As pessoas do Outro Lado da Muralha não fazem ideia de que ele existe por que a cordilheira o cobre como uma grande parede, mas o Vale é majestoso e sei o efeito que causa em quem o vê pela primeira vez. Eu mesmo jamais poderei esquecer a primeira visão que tive desse paraíso quando cheguei aqui.

— Então você não era daqui? — pergunta o capitão e só então percebo que em minha empolgação acabei falando demais. Evito a pergunta contando mais coisas sobre o vale, sobre as pastagens e nossas cabras. Conto como o povo tem se virado com a questão da água e mostro o lago que estamos tentando manter preservado, caso o rio seque do nosso lado.

Shang está impressionado com a vastidão das cordilheiras, com a resistência e agilidade do povo e de seus animais. Até nossas plantas são duras na queda, nascendo em meio a rocha com destreza. Ele se encanta pelas árvores retorcidas que crescem ao lado do castelo, suas copas mergulhando no desfiladeiro como donzelas deixando os cabelos ao vento.

Às portas do palácio Shang para e observa o todo, a visão estonteante dos picos nevados à luz da manhã. A neve brilha como se fosse mágica.

— É lindo... — ele suspira e um sorriso curva meus lábios.

— Então — pigarreio — acha que é adequado para seu príncipe passar uma longa temporada de exílio em segurança aqui?

Ele me olha feio e passa por mim sem tecer comentário adentrado o átrio do palácio. O chão é de pedra polida, liso e brilhante, com belas passadeiras se estendendo a perder de vista. Shang caminha até o meio do salão, onde avista os antigos tronos entalhados na pedra e para surpreso. Eu me junto a ele.

— Por que algumas pessoas iriam querer sair da cidade e morar perto da Muralha? — ele pergunta baixinho e imagino que esteja lembrando do incidente de quando nos falamos pela primeira vez.

— As coisas podem ser bonitas aqui, mas é difícil. A comida não vem fácil, o inverno é muito frio, a água pode congelar e sumir. Então, por mais arriscado que seja, algumas pessoas preferem rondar a Muralha.

— Sempre foi assim?

— Não. Na época do imperador, quando a Montanha era sua súdita oficial, enviava joias, pedras, ouro e sal para o imperador, em troca de comida e passagem livre pelas estradas, além de pastagens para o gado. Qualquer pessoa da Muralha podia se mudar e morar em um vilarejo na floresta se quisesse, ou na cidade do imperador. O Vale de Cristal tinha bem menos pessoas, menos bocas famintas e mais comida. Mas aí construíram a Muralha e esse movimento ficou impossibilitado. — Eu não resisto a tocar o braço do trono, todo trabalhado em quartzo, e me sento nele, cruzando as pernas. O capitão me lança um olhar incomodado como se eu não devesse estar ali. — A Cidade da Montanha nunca foi um lugar de súditos, era mais uma cidade de mineradores com alguns clãs de guerreiros. Um povoado pequeno com um líder que um dia venceu muitas batalhas, teve uma bela filha, dominou suas terras e fez um ótimo acordo com o imperador, casando sua filha com ele e transformando tudo em um lugar só, com vantagens múltiplas.

Qingshan e o imperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora