Já se via o luar quando Torment chegou em casa, enquanto Fauna e Nate estavam preparando o animal que haviam caçado antes para o assar. Eles já haviam retirado a pele, Nate não sentiu muito nojo por já ter visto coisas do tipo com frequência. Mas ainda era um pouquinho assustador.
-Ei, tem gente em casa?
Fauna respondeu:
-Já são sete e meia da noite, óbvio que teria gente em casa.
-Vai saber, vagabunda, tem louco pra tudo.
-Ai, vai pro inferno. Enfim, hoje eu matei uma lebre.
Nate a interrompeu:
-Eu matei.
Torment respondeu a Nate:
-Assim que se faz! Pirralha, tu devia parar de ser tão mentirosa.
Fauna o respondeu:
-Cuzão.
-Ei, não era pra falar palavrão na frente do piá. De qualquer jeito; achei um lugar que pode nos dar mais informações sobre essa coisa. A gente pode precisar matar. E não ir não é uma opção. Vocês têm uma semana.
Nate ficou surpreso. Ele poderia ter que matar. Ele se colocou no lugar dos outros. O garoto viu seus pais morrerem, isso poderia ser tão traumático para os outros quanto foi para ele. Nate já foi espancado. Ele sabe o que é sentir dor. E se os outros sentissem essa mesma dor? Seria isso pior para os outros? Por um tempo, o silêncio ficou na mente do rapaz. Isso lhe causou medo, ele não tinha uma resposta para suas próprias dúvidas. Seria o fato de ele não saber o que se passa internamente normal?
Fauna também ficou surpresa. E preocupada com Nate. Ela já havia matado antes, não seria um problema para ela. Matar inocentes seria algo novo. Talvez fosse mais difícil. Mas era só puxar um gatilho, ou empurrar uma lâmina. Não era difícil matar. Mas depois que já estivesse feito, a culpa seria algo fácil de remover? Ao contrário de Nate, sua consciência tinha respostas claras: Não, a culpa não sairia fácil. Ela teria que viver com o fardo de ter matado pessoas que não fizeram nada de errado para sempre. Ela seria julgada pelos outros e por ela mesma, Fauna está errada, e não há e nem haverá nada que prove o contrário.
-Por favor, Torment, eu não quero. -Disse Nate. - Você não tá com medo?
-Não interessa se você não quiser. Você vai e ponto final.
-Você não tá com medo? -Tornou o garoto a falar.
-Claro que tô. Mas lutar contra esse medo é uma coisa que eu tenho que fazer. Você também.
Fauna quis fazer piada com Torment:
-Então cê tá se borrando mesmo.
-E você, não tá?
-Eu quero que você vá pra casa do caralho, por favor.
-Não obedeço ordem de puta. Por isso que eu tô dando uma semana. Só fiquem prontos até lá. Quem perder lá vai ficar pra trás e foda-se.
Fauna levantou a voz, ainda discordando, e disse:
-Cara, vai tomar no cu, tá bom? A gente tá aqui se esforçando pra não estourar a cabeça no tiro, enquanto você tá aí querendo nos usar pra limpar as tuas merdas! Quando que você vai parar de ser egoísta? Foda-se se eu sou mulher, para de achar que por ser homem você é melhor que todo mundo, seu lixo!
Torment não estava nem aí para o que ela dizia, então só respondeu:
-...Eu não prestei atenção em nada do que você disse, sabia?
Fauna correu em direção a Torment, lhe deu uma rasteira, agarrou sua nuca e começou a jogar o rosto de Torment contra a mesa, com toda a sua força, enquanto gritava repetidamente:
-EU TE ODEIO! EU TE ODEIO! EU TE ODEIO!
Nate, vendo aquilo, começou a ficar nervoso. Ao ver que a mesa estava ficando suja de sangue, ficou mais tenso, ao ponto de começar a tremer. Quando ele viu que Torment parou de resistir, ele não aguentou mais. Nate correu para o seu quarto, se escondeu embaixo da cama e começou a chorar de pavor.
Sangue jorrava do rosto de Torment, sua cara estava manchada de um vermelho escarlate reconhecível. O sangue começou a sujar o rosto de Fauna, mas ela não pensou em parar. Ela não pensava em mais nada além de fazer Torment pagar por tudo o que ele já havia feito de mal. Ele era egoísta, egocêntrico, falso, ingrato e imaturo. Um tempo depois, ela parou. Ela já estava com seu braço cansado, então o largou no chão.
Torment, com o nariz quebrado, e muitas feridas abertas no rosto, tentou dar a palavra final:
-V-Você... Tá satisfeita... a-agora?
Fauna ficou com mais raiva do rapaz, e começou a chutá-lo incessantemente. Torment estava cuspindo sangue, quase vomitando por causa da dor que sentia no estômago. Ele se sentiu fraco, por não ter resistido. Ele se sentiu impotente por não ter revidado. Então começou a perder os sentidos, fora o olfato. Primeiro ele ficou tonto, depois perdeu a audição. Paladar. A visão estava lentamente se esvaindo, conforme ficava cada vez mais turva. Ele não queria perder o tato, se isso acontecesse ele estaria completamente inconsciente. Então pediu à Fauna, com suas últimas forças:
-P-por... favor...
Ela entendeu, então parou. Ela já havia descarregado o que queria. Então ela foi para o quarto de Nate, com o intuito de o acalmar. Torment já não tinha mais forças para se levantar, então ficou ali mesmo. Ele estava banhado em uma poça de sangue, suor e saliva. Seu nariz ardia, por causa do sangue que já havia saído excessivamente. Seu rosto estava desfigurado e irreconhecível. Ele já estava exausto, e sentia cada vez mais sono. Torment dormiu no chão a noite inteira. Fauna e Nate não tiveram coragem de descer.
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Contos da Tormenta [¼]
General FictionEm um mundo onde uma vida dá um lugar à outra, um jovem indeciso faz mais barulho do que deveria. À ressonância de todo esse barulho, se dá o nome de contos da tormenta.