Capítulo 4

85 15 141
                                    


É engraçado como as coisas, as pessoas, as opiniões, mudam. Uma única frase, um epílogo falado, um simples gesto pode mudar tudo. Ontem, você apoiava um político, idolatrava um ídolo. Hoje, você abomina ambos. É uma questão de balança, moral e social, de quanto pesam os erros comparados aos acertos. É fato que, para as pessoas, um erro sempre vai pesar mais que uma dezena de acertos, porque o ódio queima mais do que a compaixão, e precisamos do fogo para sermos movidos. Mas não é assim para Renato.

Há um mês, ele odiava Davin. Sua presença instigava nele o mau-humor. Agora, por mais que ainda não vá exatamente com a cara dele (é o que ele diz para Brooke e Emi), ele está compartilhando suas experiências de leitura por ligação durante a madrugada.

— Mano — diz Renato, o telefone apoiado na cabeceira no viva-voz —, que agonia do Danny. Por que ele resolveu entrar no quarto?

— Ele é criança — A voz de Davin é suave no telefone. — Dá um desconto. Criança é um bicho muito curioso. Além disso, o hotel influencia em tudo, e ele também é iluminado. Imagina como deve ser estranho conviver com o sobrenatural?

Renato abre um sorriso com os lábios comprimidos, soltando um ar entretido pelo nariz. Imagina ter que conviver com o sobrenatural? Deve ser bizarro mesmo.

— Sim, sim. É verdade. Quando eu era criança, uma vez, eu decidi entrar no quarto do meu primo adolescente porque a parede tava mexendo muito. Ele estava com a namorada dele.

Davin gargalha, fechando o livro aberto ao seu lado. O coloca sobre sua cabeceira e se deita, colocando o celular em seu ouvido.

— Eu tenho que dormir, tô quase caindo da cama de sono. Espera você chegar na página 326 que o jogo vai mudar.

Renato sorri — como sempre — e diz que aposta que termina a leitura primeiro. Desliga o celular e dorme, mergulhado na escuridão confortável do sono.

Abre os olhos e a noite segue firme, a luz do luar pendendo sobre sua janela. Ele se levanta com o cabelo bagunçado e vai à porta. Já acordei mesmo, vou beber um copo d'água.

Coloca a mão sobre a maçaneta escura e arredondada, então a pressiona para o lado com os dedos. A porta se abre com um estalo, então range quando se move lentamente. O garoto está com muito sono para raciocinar, e quase cai quando segue em frente sem perceber que, logo à sua frente, uma depressão profunda substitui o chão. Uma neblina fria flutua sobre o escuro. As sobrancelhas de Renato arqueiam com o susto. Se pergunta que porra é essa, mas sua boca não se abre. Sua voz flutua no ar como a neblina, mas não sai de sua boca. Sai de sua mente.

Com um passo fechado, ele faz uma parcela da neblina se aproximar. Então, essa parte volta ao estado líquido, se congelando em seguida. Renato sente que, assim como Danny, algo o influencia a seguir o caminho. Mas ele não consegue parar.

Ele coloca o pé sobre o bloco de gelo, então, quando confia, coloca o outro. O gelo se move para frente conforme o movimento de sua mente. Vai coletando mais neblina até que tenha gelo o suficiente para ele se sentar. Olha para trás, e a porta de seu quarto está cada vez mais distante. Logo mais, é um retângulo iluminado que se torna menor e menor.

E assim ele segue, imergindo na escuridão, procurando uma resposta — para algo que ele nem sabe o que é. Então, passa por outra camada de neblina. Mas não consegue sentir a água, muito menos controlá-la. Então, quando passa por ela, sente frio. Uma sensação que ele não conseguiria descrever para si mesmo se a palavra frio não tivesse sido sussurrada em sua mente. Ele nunca havia sentido frio antes.

A neblina vai ficando mais forte, e ele está dentro dela. Sua visão vai deixando de ficar embaçada para se tornar esbranquiçada. Está ficando mais palpável, mais sólido. Ele sente aquela camada ficar mais espessa, mais tocável. Quer gritar, mas não consegue. O grito não passa de sua garganta, nem flutua no ar. A neblina vai ficando mais e mais branca. Então, todo o breu se torna claro como a luz. O grande bloco de gelo em que ele se apoia começa a derreter. Seu pânico não faz a água voltar ao estado sólido. Então, ele cai.

Do Seu Sol, Para a Minha LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora